Texto: MR.
STEFHENS COMPRA UMA CIDADE
Mr. Stefhens simplesmente nos comprou.
Quis tudo como estava. Não nos despejou das casas nem disse muita coisa. Aliás,
Mr. Stefhens não falava, quero dizer, não ouvimos uma vez sequer as palavras de
Mr. Stefhens. Ficava olhando tudo como se fosse a primeira vez, com as mãos nos
bolsos, balançando a cabeça mas sem que isso dissesse muito. Mr. Stefhens não
era um homem que extravasasse seus sentimentos. Quanto a isso nos acostumamos
logo. Nunca perguntamos a Mr. Stefhens o que ele pensava nos seus passeios e da
compra da cidade. O homem não parecia perigoso, mas até meio abobalhado, quando
daqueles passeios intermináveis.
Vivia medindo as ruas, contando as
casas e vez por outra circulava a cidade em passos que, a todos nós, pareciam
misteriosos, mas que para Mr. Stefhens tinha lá o seu sentido: o homem não era
louco. Pelo menos não aparentava. E o deixamos aos seus estranhos afazeres. Por
isso quase não notamos quando chegaram as grandes traves de ferro, as cercas,
as telas de aço e os veículos cheios de trabalhadores mal encarados e mudos.
Continuamos nossa vida sem ligar à vida
de Mr. Stefhens. Durante muitos dias homens estranhos pareciam confirmar as
contas que Mr. Stefhens havia feito naquelas semanas que sucederam à compra da
cidade. Isso supúnhamos porque balançavam a cabeça apoiando o caderninho que
Mr. Stefhens mantinha sempre aberto diante dos seus olhos. Armaram os
instrumentos e começaram a cavar buracos em volta da cidade. Tudo perfeitamente
conforme as mais rígidas normas da construção. Fizeram uma espécie de calçada
em volta da cidade e uma mureta também circular. Depois armaram os ferros e
colocaram as telas, que se uniam numa imensa abóbada sobre as nossas cabeças,
envolvendo a cidade. Era uma gaiola bonita, com entrada vistosa, e um
letreiro sobre ela que jamais pudemos ver, não por alguma imposição, mas
simplesmente porque não tivemos curiosidade e disposição. Não nos faziam mal,
por que interferir nos negócios de Mr. Stefhens? Os visitantes que começaram a
surgir, tão diferentes de nós, não perturbavam o desenrolar dos nossos dias e
desconhecíamos suas línguas. Aprendemos a viver com eles entrando em nossas
casas, apontando nossos filhos, mexendo em nossas coisas e até insinuando nossos
desejos. Muitos deles caíam na gargalhada, mas iam todos embora,
impreterivelmente, às cinco horas em ponto, quando Mr. Stefhens fechava a porta
e desaparecia. Mr. Stefhens também não mudou em nada nossa vida.
Até passamos a receber grandes atenções
do mundo e nos últimos tempos temos visto que Mr. Stefhens tem engordado e ri à
toa, muito feliz.
Alberto Lins Caldas.
BABEL: CONTOS. Rio de Janeiro, Revan, 2001.
Entendendo o texto:
01 – A trama textual explora as seguintes questões:
a. ( ) egoísmo e intolerância humana
b. (X)
coisificação e passividade do homem
c. ( ) incomunicabilidade e preconceito
religioso
d. ( ) exploração dos animais e corrupção econômica.
02 – Aponte a relação metafórica que o texto constrói:
a. ( ) homem –
domador
b. ( ) trabalho – grilhões
c. (X) cidade –
prisão
d. ( ) filhos – ornamentos.
03 – Indique a passagem que
identifica o papel social de Mr. Stefhens:
a. ( ) “Aliás, Mr. Stefhnes não falava…”
b. ( ) “O homem não parecia perigoso…”
c. ( ) “… ria à toa, muito feliz.”
d. (X) “Vivia medindo as ruas, contando as
casas…”
04 – Quanto à forma, pode-se classificar o texto como:
a. ( ) epopeia –
mescla de fatos verídicos e ficcionais que apresentam o homem como herói,
superior ao meio.
b. ( ) sátira –
narrativa de fundo paródico-cômico sobre a situação do homem contemporâneo.
c. (X) alegoria –
narrativa que apresenta, sob uma camada material e concreta, ideias
e reflexões relativas ao homem e sua condição.
d. ( ) lenda –
narrativa de fundo sobrenatural que explica as origens do homem e
do mundo.
05 – Sobre a composição textual, pode-se afirmar que:
a. (X) o nome do
Mr. Stefhens indica o “status” da personagem reiterado pelo pronome
de tratamento em inglês.
b. ( ) a narração é feita em 2ª pessoa.
c. ( ) Os eventos ocorrem sem obedecer a uma
ordem cronológica.
d. ( ) todas as
personagens são individualizadas, mostradas em seus aspectos físicos
e psicológicos.
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