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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

CRÔNICA: NOITES DO BOGART - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

CRÔNICA: NOITES DO BOGART
                     Luís Fernando Veríssimo


- Ana Paula...
- Jorge Alberto!
- Escuta, eu...
- Jorge Alberto, este é o Serge, meu namorado. Serge, Jorge Alberto, meu ex-marido.
- Prazer, Sérgio. Ana, eu...
- Serge.
- Hein?
- O nome dele não é Sergio, é Serge.
- Ah. Escuta, eu posso sentar?
- Claro!
- Você parece ótima.
- Eu estou ótima. Nunca estive tão bem.
 - Pois é, Ana. Sei lá. Você não devia estar assim, tão bem. Desculpa, viu, Serge? Ele fala português?
- Ele é de Canoas.
- Ah. Desculpa, viu, Serge. Não tem nada a ver com você, mas puxa. Ana! Nós nos separamos há, o quê? Três semanas? E você está ai, radiante.
- Você queria que eu estivesse o quê? Arrasada?
- Não, podia estar bem. Mas não assim, em público, pô.
- Ah, você acha que eu não devia sair de casa?
- Olha, depois que o meu pai morreu, minha mãe levou dois anos para aparecer na janela. Entendeu? Não sair de casa: aparecer na janela.
- Mas Jorge Alberto, você não morreu. Eu não sou viúva. Nós só nos separamos. A vida continua, meu querido! Serge, não repara.
- Mas aqui, Ana? Logo aqui? Lembra a última vez que nós dançamos juntos? Foi aqui.
- Lembro muito bem. Aliás, foi na noite em que decidimos nos separar.
- Pois então. Isso não significa nada para você? Eu não quero bancar o antigão e tal, Ana. Mas algumas coisas devem ser respeitadas. Alguns valores ainda resistem, pombas!
- Mas vem cá: você também não está aqui?
- Sim, mas olha a minha cara. Eu pareço radiante? Vim aqui curtir fossa. Estou sozinho. Não estou me divertindo. Homem pode sofrer em bar. Mulher não.
- Mas eu não estou sofrendo, estou ótima.
- Exatamente. E está pegando mal pra burro. Você não podia fazer isso comigo, Aninha.
- Eu não acredito...
- Deixe eu perguntar pro Serge aqui...
- Deixa o Serge fora disso.
- Não, o Serge é homem e vai me dar razão. Serge, suponhamos o seguinte...

                   Veríssimo, Luís Fernando. O marido do doutor Pompeu.
                                        São Paulo, Círculo do Livro, 1989. p. 81-2.

1 – A pontuação das duas primeiras frases do texto já evidencia a diferença de estado de espírito dos interlocutores. Comente.
     O aluno deve perceber o contraste entre a entoação sugerida pelas reticências (que traduzem a decepção de Jorge Alberto) e o ponto de exclamação (que indica a espontaneidade de Ana Paula).

2 – Uma característica da língua falada coloquial que deve ser evitada na língua escrita é a mistura dos tratamentos tu/você. Aponte passagens do texto em que ocorre e proponha formas apropriadas à língua escrita culta.
     A falta de uniformidade do tratamento ocorre particularmente nas formas do imperativo afirmativo (escuta, desculpa, olha, vem e outras), da segunda pessoa do singular, que não condizem com o pronome de tratamento você, o qual comanda as formas da terceira pessoa do singular. Caso a questão apresente muitas dificuldades aos alunos – que podem não ter estudado ainda a formação do imperativo –, deve-se remetê-los às aulas de gramática.

3 – O texto consegue reproduzir várias características da língua falada. Faça um cuidadoso levantamento dessas características.
     As frases incompletas, a mistura de tratamentos, as interjeições, as repetições, as indicações espaciais (logo aqui), a linguagem familiar (Aninha).

4 – Em alguns pontos, o texto demonstra maior apego à tradição escrita do que às formas faladas coloquiais, dando-nos a impressão de que o que está escrito não corresponde ao que deve ter sido efetivamente dito. Aponte e comente alguns desses pontos.
     É o caso das terminações verbais do infinitivo, que não são pronunciadas com clareza. O mesmo ocorre com os plurais. São exemplos frases como “Ah. Escuta, eu posso sentar?” ou “Mas algumas coisas devem ser respeitadas”.

5 – “--- Não, podia estar bem. Mas não assim, em público, pô”. Esse fragmento deixa transparecer com nitidez o principal “problema” enfrentado por Jorge Alberto. O que você acha desse “problema?”
     O aluno deve perceber que o despeito de Jorge Alberto decorre principalmente da publicidade que Ana Paula faz de sua alegria. Como ele mesmo admite, ela podia estar alegre por ter se livrado dele – mas não em público...



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