Texto: Palavras
são palavras...
Algumas palavras, mesmo que as ouçamos
pela primeira vez, não carecem da explicação de seu significado. São
autoexplicativas. Concupiscência, por exemplo, não pode ser boa coisa. Se
alguém numa reunião familiar, de repente disser concupiscência, sem dúvida
causará um mal-estar danado. A maioria não saberá o significado exato, mas não
importa, concupiscência não é coisa que se diga perto de crianças e pronto! E
depois, quando os mais curiosos forem sorrateiramente ao dicionário verificar o
que a palavra quer dizer, aí é que ficarão realmente contrariados com o
detrator da honra da família, aquele concupiscente!
E elucubração? Aí já é caso de sair no
tapa direto. Não precisa nem ficar matutando, caprichando no raciocínio, se
esmerando em saber o significado. Elucubração, não! Imaginem só. O pai chega em
casa e vai bater na porta do filho adolescente, que demora em abrir:
-- Oi, pai.
-- Oi filho. Estava aí em elucubrações,
hein?
-- Que é isso pai, estava estudando.
-- Fique tranquilo, filho. Na sua idade
eu também elucubrava muito.
-- Mas, pai, eu só estava estudando!
-- Eu sei, filho. Estudando,
elucubrando... época de vestibular é tensa mesmo. Porque você não sai um pouco
com sua namorada? É melhor que ficar elucubrando sozinho.
-- Eu não tenho namorada, pai.
-- Então elucubra. Mas matemática, não.
É melhor decorar as fórmulas, filho. É por isso que muito vestibulando
despiroca com os conselhos dos pais. E vou evitar confusão, não falando sobre
despirocar, que é para manter um certo nível na conversa.
Outras palavras não são ofensivas, mas
também podem causar problemas. Exemplo: abjeta. Abjeta não é feminino de
objeto, como queria aquela senhora que foi comprar um presente de casamento:
– Eu estou à procura de uma abjeta pra
minha sobrinha.
– Abjeta, senhora? Não seria objeto?
– Não. Objeto ela já tem. Eu quero
fazer um parzinho. Vai ficar lindo no gazebo dela!
E sobre gazebo também eu me omito.
Ainda mais com o cacófato. Tenham paciência! Vamos em frente.
E para terminar vou ser benevolente. Já
viram palavra mais doce que essa: benevolente. É falar e transmitir aquela
sensação gostosa de que as coisas vão dar certo, que todo mundo vai se unir,
dar as mãos e sair fazendo caridade por aí, numa bondade opalescente danada.
Opalescente? Olha, eu escrevi esta
palavra assim de repente e depois fui ao Houaiss ver se ela cabia aqui. Não
cabe, não. Quer dizer outra coisa. Mas agora embirrei. Ninguém me tira ela
daqui. Achei que dá um certo brilho ao texto e, como a língua é dinâmica como a
política, quem sabe um dia ela mude de opinião sobre si própria, reveja seus
conceitos, se adeque aos novos tempos e venha finalmente se encaixar ao que eu
quis dizer sem nenhum melindre.
Melindre? Ah, não, chega, melindre é
frescura! Paro por aqui.
Costa, Celso
Ferreira. O Popular. Goiânia, 11/07/2003.
Entendendo o texto:
01 – O cronista acha
ofensivas as palavras concupiscência e elucubração. Você sabe o que elas
significam? Por que você acha que ele tem essa opinião sobre elas?
·
Concupiscência, significa desejo
intenso de bens e prazeres materiais.
·
Elucubração, quer dizer meditação
profunda.
Uma razão possível para justificar a opinião do jornalista é o uso
pouco frequente das palavras, o que causaria estranheza a quem as ouvisse.
02 – Despirocar é termo de
gíria. O que significa?
Despirocar é
enlouquecer, endoidar.
03 – Abjeta é palavra usada
no texto como feminino de objeto, apesar de uma não ter nada a ver com a outra
quanto a origem e significado. Que característica dessas palavras permitiu esse
jogo entre masculino e feminino?
O som das palavras, que é muito parecida.
04 – Cacófato é o som
desagradável resultante da união do final de uma palavra com o início de outra.
Onde o cronista percebeu um cacófato?
Em gazebo dela,
cuja junção resultou em bodela.
05 – Você conhece outros
cacófatos? Quais?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestões: Quero amá-la até o fim dos meus dias. / Vou-me
já para não atrasar. / O menino pegou a boneca dela. / Vivemos o boom
da informática.
06 – O cronista sente que
certas palavras transmitem sensações, como benevolente e opalescente. Para
você, há palavras que transmitem sensações? Registre essas palavras e conte
quais são as sensações que elas lhe passam.
Resposta
pessoal do aluno.
07 – Você sabe o significado
das palavras abjeta, gazebo, benevolente e opalescente? Antes de ir ao
dicionário, escreva o que você acha que elas significam. Depois, vá ao
dicionário e confira o resultado.
·
Abjeta: desprezível, nojenta.
·
Gazebo: construção com pilares e teto,
comum em jardins.
·
Benevolente: bondoso.
·
Opalescente: que tem cor de opala,
leitosa e azulada.
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