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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

ENTREVISTA: LAZER X CRISE ECONÔMICA - JORGE ERTHEIN - FERNANDA OSHIRO - COM GABARITO

Entrevista: Lazer x Crise Econômica

                  Na crise, enquanto os trabalhadores só pensam em não perder o emprego, alguns patrões consideram que o melhor aproveitamento do tempo livre traz como consequência, melhor rendimento no trabalho.

        Para o sociólogo argentino Jorge Werthein, representante da Unesco (Órgão ligado à Organização das Nações Unidas – ONU) no Brasil, em época de desemprego, falar em lazer e tempo livre é problemático. Nesta entrevista, ele se mostra esperançoso quando declara que “o tempo livre que decorre do trabalho digno não pode ser visto como condenação ao desemprego.”

      --- O senhor acredita que os avanços tecnológicos, que teoricamente proporcionam às pessoas mais tempo fora do trabalho, representam um avanço no aproveitamento do tempo livre?
        Por outro lado, representa avanço, sim, na medida em que pode ampliar o tempo livre, possibilitando o exercício da criatividade e da realização pessoal. Por outro lado, só a menor parte da população trabalhadora se beneficia do tempo livre, o que representa um problema e uma limitação.

        --- Qual deve ser a orientação para que o tempo livre seja melhor aproveitamento?
        Muitos estudiosos proclamam o trabalho como necessidade humana básica. Nessa perspectiva, o tempo livre é definido como um modo de recuperar as forças produtivas, ou seja, descansar para poder produzir. O declínio do emprego, por causa do avanço da ciência e da tecnologia e dos modelos de desenvolvimento que a gente vê – que concentram decisões tecnológicas e lucros, começa a abalar os padrões da livre concorrência. E o tempo livre também pode ser visto como um produto do sistema capitalista, como objeto de exploração capitalista.

        --- De que maneira isso ocorre?
        Pela propaganda de valores que tenham efeitos positivos no aumento da produção e do consumo. Mas é preciso reconhecer que é parcial, pois não considera a própria luta histórica dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho. De mais de setenta horas semanais de trabalho em meados do século passado, a jornada em muitos países já está hoje abaixo de quarente horas. Essa conquista dos trabalhadores permitiu o desenvolvimento de uma cultura do lazer. As pessoas comuns passaram a ter acesso a determinados bens da civilização antes reservados apenas às camadas dominantes da sociedade. Ao mesmo tempo, surgiram inúmeras instituições sociais promotoras do lazer que imprimiram uma dimensão cultural ao tempo livre. Mas essa dimensão do lazer começa a sofrer os primeiros reveses, pois o processo de globalização aumenta sua velocidade, os modos de produção mudam e a crise do desemprego aumenta e se universaliza.

        --- Existe um preconceito que marginaliza o tempo livre como fator negativo para o desenvolvimento das pessoas. Ainda se relaciona tempo livre com o ócio?
        O tempo livre só será negativo na medida em que se reduzir a uma sociedade de consumo. Quem vê o tempo livre apenas como ócio esquece-se de que a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem. Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.

        --- Por causa das jornadas excessivas de trabalho, tempo gasto na condução, entre outros fatores, os trabalhadores não conseguem adquirir crescimento cultural. Como corrigir essa defasagem?
        O crescimento cultural dos excluídos representa um dos maiores desafios do nosso tempo. Só uma nova ética das relações internacionais, que permita a redução das desigualdades entre os povos, poderá viabilizar o retorno da dimensão humana do desenvolvimento.

        --- Como a Unesco interpreta a questão do lazer; do trabalho e do tempo livre? O mundo atual mostra preocupação com essas questões?
        A Unesco luta incessantemente em várias frentes para que os direitos humanos sejam respeitados. Luta por um direito que tenha compromisso com a ética e não com a futilidade e a vida sem sentido, banalizada.
        Todos os compromissos da Unesco têm algum tipo de relação com o problema do desemprego e do tempo livre. Educação, ciência, cultura, direitos humanos, tudo isso envolve, de alguma maneira, a questão do trabalho e do lazer. Todo o esforço da Unesco, desde quando foi criada, logo após a Segunda Guerra Mundial, tem sido no sentido de promover a paz e a justiça social por meio de diversas formas de intercâmbio científico e cultural e compromissos públicos entre seus Estados-membros.

        Entrevista concedida pelo Sociólogo argentino Jorge Werthein à Fernanda Oshiro, para a revista Sesc número 18

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