Política de Privacidade

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

CRÔNICA: HERÓI DA LÍNGUA - IVAN ÂNGELO - COM GABARITO

Crônica: Herói da Língua
            Ivan Ângelo

       Vocês se lembram do meu amigo Toninho Vernáculo. Já falei dele uma vez, contei histórias da mania que tem de corrigir erros de português. Daí o apelido. Cansei de falar: deixa, Toninho, esta língua é complicada mesmo, até autor consagrado escreve com dicionários e gramáticas à mão.

        – Pelo menos eles têm a humildade de consultar os mestres antes de dar a público o que escrevem – respondia o Toninho na sua linguagem em roupa de domingo.
        Lembram-se dele? Quando encontra erros de português no seu caminho, telefona para os responsáveis, exige correções em nome da língua pátria e da educação pública. Coisas assim:
        – A placa do seu estabelecimento é um atentado contra a língua, induz as pessoas a achar que o errado é o certo, espalha a confusão.
        Ultimamente andava se controlando, me telefonava muito menos do que antes, relatando atentados mais graves contra a boa linguagem, praticados por quitandeiros, padeiros, donos de restaurantes, prestadores de serviços em geral – e pasmem: até pela prefeitura (em nomes de ruas), por publicitários, jornais.
        Dom Quixote da gramática, Toninho não se dava descanso. Lia coisas assim nos anúncios classificados dos jornais e ficava indignado: baile "beneficente"; faça "seu" óculos na ótica tal; "aluga-se" dois galpões. Ex-jornalista, aposentado, telefonava para os encarregados dos pequenos anúncios:
        – No meu tempo não era assim! Os responsáveis eram responsáveis, cuidavam da correção dos anúncios. O povo não sabe escrever, mas os jornais têm o dever – o dever! – de zelar pela língua!
        No convívio diário, arrumava desafetos, humilhados e ofendidos, mas também alguns – os mais humildes – agradecidos pelo ensinamento. Quixoteava lições, fosse qual fosse o interlocutor:
        – Não é "fluído" que se diz, é fluido, com a tônica no u. "Fluído" é verbo, é particípio verbal, não pode ser uma coisa. "Gratuíto" não existe, é gratuito que se diz, som mais forte no u. Homem não diz "obrigada", isso é coisa de menino criado entre mulheres; menino fala "obrigado". "Emprestar dele" é promiscuidade brasileira aqui do Sul; o certo da língua é emprestar a alguém, ou tomar emprestado. Não é "o" alface, é a alface, feminino. Não existe isso, "inhoque", que coisa mais feia; o certo é nhoque, do italiano gnocchi. Grama, medida de peso, é masculino: "um" grama, "duzentos" gramas. Quilo se escreve com q, u, i, não existe quilo com k e muito menos com k, y: é comida a quilo e não "a kylo", como se lê na sua placa. Está na hora "do" parabéns é errado; parabéns é plural, como em meus parabéns.
        – Peraí, Toninho, agora você exagerou. Hora do parabéns significa: hora de cantar o Parabéns pra Você. Resumido.
        Aceitou, mas resmungando. Bom, um dia desses, telefonaram-me de madrugada: Toninho havia sido preso como pichador de rua. Quê, um homem de 70 anos? Havia algum engano, com certeza. Fomos para a delegacia, uma trinca de amigos.
        Engano havia e não havia. Nosso amigo fora realmente flagrado pela polícia com spray e latinha de tinta com pincel, atuando na fachada de uma casa comercial do bairro onde mora. Explicou-se: estava corrigindo os erros de português dos pichadores! Começamos os esforços para livrá-lo da multa e da denúncia, explicamos ao delegado que o ocorrido era fruto de uma mania dele, loucura leve. Por que penalizá-lo por coisa tão pouca? Não ia acontecer de novo. Aí o delegado explicou qual era a bronca.
       O Toninho havia pedido para ler seu depoimento, datilografado pelo escrivão, e começou a apontar erros de português no texto do funcionário. A autoridade tinha a pretensão de ser também autoridade em gramática. Aí melou, "teje" preso por desacato. Com dificuldade convencemos o escrivão da loucura mansa do nosso amigo, e ele liberou o herói da língua pátria.

Ivan Ângelo Veja São Paulo, ano 40, n 2. 17 de janeiro de 2007. p.130

Entendendo o texto:
01 – Qual é a mensagem que este texto nos traz?
      A perfeição na leitura e na escrita da língua pátria.

02 – Quem é o autor da crônica? Onde e quando foi publicado?
      Ivan Ângelo Veja São Paulo, ano 40, n 2. 17 de janeiro de 2007. p.130.

03 – A narração é em 1ª ou 3ª pessoa? Justifique com um trecho do texto.
      Está na 1ª pessoa – “Já falei dele uma vez, contei histórias da mania que tem de corrigir erros de português.

04 – Quem é a personagem principal?
      É o Toninho Vernáculo.

05 – Qual era a mania de Toninho Vernáculo?
       Corrigir as palavras escritas erradas nas placas, paredes, etc.

06 – A expressão: na sua linguagem em roupa de domingo, significa que Toninho usava:
(   ) a linguagem de qualquer jeito.             
(   ) as palavras mais simples.
(   ) uma linguagem pouco culta.                
(X) a melhor linguagem possível.

07 – “Quê, um homem de 70 anos?"
        Na frase acima, o uso do ponto de interrogação produz um efeito de:
(X) espanto.      
(   ) dúvida.             
(   ) pergunta.           
(   ) constatação.

08 – Na frase "Por que penalizá-lo por coisa tão pouca?" O pronome “lo” se refere a
(X) Toninho Vernáculo                       
(   )  escrivão.
(   ) amigo.                                          
(   ) autoridade.

09 – No trecho: Explicou-se: estava corrigindo os erros de português dos pichadores! há uma certa dose de:
(X) humor.             
(   ) crítica.                  
(   ) tristeza.               
(   ) inteligência.

10 – Por qual motivo o delegado queria prender Toninho Vernáculo?
      Por desacato a autoridade.

11 – O que provoca o humor no último parágrafo?
      A pessoa que tinha obrigação de escrever certo, tinha cometido alguns erros de português.

12 – Procure no dicionário o significado da palavra vernáculo. O apelido dado a Toninho realmente era merecido? Justifique sua resposta.
      Vernáculo: genuíno, correto.    
      Sim. Porque ele vivia para corrigir as escritas erradas.




Nenhum comentário:

Postar um comentário