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quinta-feira, 29 de março de 2018

CONTO: A MENINA DOS FÓSFOROS - ANDERSEN - TRADUÇÃO - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

CONTO – A MENINA DOS FÓSFOROS
                   Monteiro Lobato

  Isto foi num desses países onde a neve cai durante o tempo de inverno – e fazia um horrível frio naquela noite do ano.
         Dentro do frio e dentro do escuro da noite a menina lá seguia, de pés descalços pela cidade deserta. Descalça? Sim. É verdade que saíra de casa com um par de chinelas muito grandes para seus pés, pois tinham sido de sua mãe. Ao atravessar a rua, porém, teve de correr para desviar-se duma carruagem na disparada, e perdeu as chinelas; quando voltou para procura-las, viu que um moleque havia apanhado um pé, saindo a correr com ele na mão. “Vou fazer um berço desta chinela!”, dizia ele. O outro pé não foi possível encontrar – com certeza sumiu enterrado na neve pelas paras dos cavalos.
         Por isso lá ia a menina de pés nus e já azuis do frio. A era uma vendedeira de fósforos, do tempo em que os fósforos se vendiam soltos e não em caixa; no avental trazia uma porção deles e na mão um punhadinho. Mas ninguém lhe comprara ainda um só, e lá se ia ela, tiritando de frio, sem um vintém no bolso. Verdadeiro retrato da miséria, a coitadinha!
         Flocos de neve recobriam seus cabelos cor de ouro, todos cacheados, sem que a menina desse por isso.
         Em muitas casas a luz do interior saía pelas janelas misturada com um saboroso cheiro de ganso assado – porque era dia de S. Silvestre, dia em que todos que podem comem um ganso assado.
         Em certo ponto a menina sentou-se encolhidinha rente a uma parede e cruzou os pés debaixo da saia. Nada adiantou. Sentiu-os mais enregelados ainda. Como não tivesse vendido nenhum fósforo não se animava a voltar para casa. Sem dinheiro no bolso estava proibida de aparecer lá.
         Seu pai com certeza que a surraria – além disso o frio era lá tanto como ali. Uma casa velha, teto esburacado e paredes rachadas por onde o vento entrava zunindo.
         Suas mãozinhas começaram a perder os movimentos.
         Teve uma ideia: acender um daqueles fósforos para aquecer os dedos entanguidos. Assim fez. Riscou um fósforo na parede – chit! Que luz bonita e que agradável quentura! O fósforo queimava qual velinha, com a chama defendida do vento pela sua mão em concha. Que bom! A menina sentia como se estivesse sentada diante dum grande fogão, com ferro para mexer as brasas e uma caixa de lenha ao lado. Tão agradável aquele calorzinho do fósforo, que ela espichou o pé para que também aproveitasse um pouco – mas nisto a chama foi morrendo e afinal apagou-se. Só ficou em sua mão um toquinho carbonizado.
         A menina riscou outro fósforo, e à luz dele a parede da casa a que estava encostada tornou-se transparente como um véu, deixando ver tudo quanto se passava lá dentro. Estava posta uma grande mesa, com toalha alvíssima e prataria de porcelana; ne centro, um ganso recheado de maçãs e ameixas, que recendia um perfume delicioso. De repente o ganso ergueu-se da travessa e, ainda com a faca e o garfo de trinchar espetados no papo, veio na direção dela.
         Nisto o fósforo apagou-se e tudo desapareceu. A menina riscou outro fósforo, e imediatamente se achou sentada debaixo da mais bela árvore de Natal que seus olhos tinham visto nas casas de brinquedos. Mil velinhas ardiam na ponta dos galhos, e os enfeites dependurados pareciam olhar para ela. Mas esse fósforo também foi-se apagando, e à medida que se ia apagando a árvore de Natal ia crescendo, crescendo, e as velinhas subindo até ficarem como estrelas no céu. Uma delas caiu, traçando um longo risco de luz.
         --- Alguém está morrendo, pensou a menina com a ideia em sua avó. A boa velhinha fora a única pessoa na vida que lhe dera amor, e costumava dizer que quando uma estrela cai é sinal de que alguém está morrendo e com a alma a ir para o céu.
         A menina acendeu outro fósforo – e desta vez o que apareceu foi a sua própria vovó, brilhante como um espírito e com o mesmo olhar meigo de sempre.
         --- Vovó! Exclamou ela. Leve-me consigo! Eu sei que a senhora vai sumir-se quando este fósforo chegar ao fim, como aconteceu com o ganso recheado e a linda árvore de Natal...
         E para que isso não acontecesse a menina tratou de acender um fósforo atrás do outro, sem esperar que a chama morresse. Era o meio de conservar a vovó perto de si.
         E os fósforos foram ardendo com luz brilhante como a do dia, e sua vovó nunca lhe apareceu tão bela, nem tão grande. Foi-se chegando, tomou a netinha nos braços e com ela voou, radiante, para onde não há neve, nem frio mortal, nem fome, nem cuidados – para o céu.
         No outro dia encontraram o corpo da menina entanguido na calçada, com as faces roxas e um sorriso feliz nos lábios. Havia morrido de fome e frio na última noite daquele dezembro.
         O sol do novo ano veio brincar sobre o pequenino cadáver. Em sua mãozinha rígida estavam ainda os fósforos que não tivera tempo de acender. Os passantes olhavam e diziam: “A coitada procurou aquecer-se com os fósforos”, mas ninguém suspeitou as lindas coisas que ela viu, nem o deslumbramento com que começou o ano novo em companhia de sua avó.

                                      Novos contos de Andersen. Tradução e adaptação de
                        Monteiro Lobato. 6.ed. São Paulo: Brasiliense, 1968.p. 16-21.

Entendendo o conto:

01 – Era o último dia do ano, dia de São Silvestre, a neve caía e a cidade estava deserta.
a)   O que a protagonista fazia?
      Ela estava tentando vender fósforos.

     b) Ela estava vestida adequadamente para a situação? Justifique sua resposta.
       Não. Porque fazia um frio terrível e a menina estava descalça, de saia, sem luvas, tiritando de frio.

     c) Por quê a vendedora de fósforos não quis voltar para casa?
      Porque seu pai a proibira de voltar sem dinheiro e certamente a surraria. Além disso, sua casa era velha, esburacada e tão fria quanto a rua.

02 – Nos contos maravilhosos, os vilões são gigantes, ogros, lobos, bruxas, etc., seres criados pela imaginação popular. Em “A menina dos fósforos”:
     a) Quem é o vilão?
      O pai da menina.

     b) Na sua opinião, esse vilão é mais cruel que os vilões que normalmente aparecem nos contos maravilhosos? Justifique sua resposta.
      Resposta pessoal.

03 – Num determinado momento da história, o narrador diz que as mãos da menina “começam a perder os movimentos”. O que isso significa?
      Por estar descalça, a menina estava ficando cada vez mais gelada. Pode ser também que a temperatura estivesse caindo, isto é, estava ficando cada vez mais frio.

04 – À medida que a menina acende os fósforos, nós, leitores, partilhamos de suas visões e de seus desejos. Qual das visões relaciona-se:
     a) Ao calor? A 1ª visão, ela se sente aquecida diante de um grande fogão.

     b) À beleza? A 3ª, ela vê a mais linda árvore de Natal.

     c) Ao alimento? A 2ª visão, ela vê um delicioso ganso recheado.

     d) À refeição? A última visão, a menina vê sua avó.

05 – Há, no conto, dois momentos em que se observa a compaixão humana. Quem faz no conto os seguintes comentários?
     a) “Verdadeiro retrato da miséria, a coitadinha!”
      O narrador do conto.

     b) “A coitada procurou aquecer-se com os fósforos”.
      Os passantes.

06 – Muitos contos maravilhosos surgiram na Idade Média, na Europa, numa época em que havia muita miséria.
     a) O conto lido retrata essa situação social? Justifique sua resposta.
       Sim. A protagonista é uma criança muito pobre, maltratada pelo pai, mora numa casa velha, de teto esburacado e paredes rachadas, tem fome e frio precisa trabalhar para sobreviver.

     b) Você conhece outros contos maravilhosos em que crianças têm de enfrentar o abandono, a fome e a injustiça social, como a vendedora de fósforos? Se sim, quais?
       Sim. “João e Maria”, “Branca de neve e os sete anões”, “Cinderela”, “O Pequeno Polegar”, “Rapunzel”.

07 – Nos contos maravilhosos, heróis e heroínas costumam vencer os obstáculos e triunfar no final. Na sua opinião, a vendedora de fósforos triunfa no final? Justifique sua resposta.
       Sim. Apesar do final trágico. Pode-se dizer que ainda assim é um belo final: a heroína passa para uma esfera diferente, onde triunfa o amor, a proteção, o calor, a felicidade.

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