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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

CONTO: PAPO DE IRMÃO - RICARDO RAMOS - COM GABARITO

CONTO: PAPO DE IRMÃO
                Ricardo Ramos


       O que é melhor: ser filho único ou ter irmãos? Ter tudo para si, brinquedos e atenção dos pais, avós e tios, ou dividir tudo com irmãos mais velhos e mais novos? É possível partilhar espaço e segredos, brinquedos e brincadeiras? É possível ser amigo de todas as horas, promover a união? Ou irmão/irmã é sinônimo de problema?
          
                              O REI DOS CACOS
         Quando saio por aí, com meu irmão, brincamos de tudo: subimos em todas as árvores, principalmente nas mangueiras, corremos atrás de todos os bichos, principalmente das galinhas, e apanhamos todas as frutas, principalmente as verdes. Mas existe uma brincadeira que é diferente de todas as outras, e é a melhor delas: andar dentro do córrego, pra baixo e pra cima. Minha mãe não gosta muito, nem minha avó, mas a gente anda assim mesmo. Meu pai nem vê, porque fica trabalhando o dia inteiro, tratando das vacas, correndo de jipe, tirando leite, passeando a cavalo, cuidando dos porcos. Ele só para depois do almoço, pra ler uns jornais ou um livro.
         Enquanto isso, nós dois, eu e meu irmão, no córrego, andamos pra baixo e pra cima. Mas nós não brincamos disso só por causa da água. É que lá no fundo, brilhando, sempre tem uns pedaços de vidro. Minha mãe diz, e minha avó concorda com ela, que o nome certo é louça, e louça antiga, mas nós já estamos acostumados, meu irmão e eu, a dizer que são cacos de vidro. Eles são grandes, pequenos, quebrados, redondos, compridos, grossos, finos, de todo jeito. Às vezes são coloridos, às vezes são brancos. Quando são brancos nós jogamos fora. Que graça tem guardar um caco de vidro branco? Os mais bonitos são os que tem umas florzinhas ou umas listinhas. Minha mãe diz, e minha avó concorda com ela, que são pedaços de aparelhos de jantar, tudo louça antiga, dos antigos donos da fazenda, tudo do tempo dos escravos. Quando ela fala isso, eu fico pensando nos escravos deitados uns por cima dos outros, naqueles porões imensos que existem debaixo da casa. Toda vez que tenho que passar lá dentro, eu e meu irmão, eu me agarro nele, com medo de ver algum escravo me espiando, escondido por ali. Mas não falo nada, senão meu irmão vai dizer que menina é assim mesmo, tem medo de tudo, até das coisas que não existem.
         No córrego, procurando os cacos de vidro, não tenho medo de nada. Nem de fazer as apostas que fazemos todos os dias: quem é que vai achar o mais bonito, o mais colorido, o maior, o mais antigo. Meu irmão, que é maior do que eu, sempre diz que achou o mais bonito, o mais colorido, o mais antigo. Para saber quem achou o maior, medimos os cacos. E às vezes eu acho.
         No fim do dia, quando chega a hora de ir para dentro de casa, passamos, antes, numa casinha onde moram todos os cacos. Meu pai disse que lá, antigamente, era um tanque onde se fabricava polvilho, depois de colhida a mandioca. Esse tanque é grande, de cimento, e todo coberto de tábuas. Meu pai fez isso para nós, eu e meu irmão, senão os bichos entrariam lá dentro. Então todas as tardes, antes de irmos para casa, nós afastamos as tábuas, entramos dentro do tanque, e guardamos, em mesinhas feitas com pedacinhos de outras tábuas e tijolos, os cacos do dia. Quase todos estão lá. Falta um só, pequeno, branco, com listas cor-de-rosa que meu irmão insiste em dizer que são de outra cor. Esse ele guarda separado, dentro de uma caixinha pequena, que é guardada dentro de uma caixinha grande, junto com outras coisas só dele: pedrinhas, penas de passarinho, apitos, felipes de café, que são dois grãos de café juntos, pedacinhos de cuia com goma esticada que chamamos de viola, e caixas e mais caixas de fósforos. Meu irmão diz que foi ele quem achou o caco de vidro que é guardado separado. Mas é mentira dele, fui eu, e guardei na casinha do tanque, junto com os outros. Mas meu irmão é maior do que eu, foi lá e tirou. E guardou junto com as coisas só dele. E pôs nome dele: O rei dos cacos.
         O rei dos cacos não pode ser visto a qualquer hora. Só em dias muito especiais, quando meu irmão resolve arrumar a caixinha grande cheia de coisas. Ele tira todas, uma por uma, posso ver tudo desde que não ponha a mão em nada, guarda de novo, fecha, pronto, acabou. Durmo pensando no rei dos cacos, e ele também.
         No outro dia, vamos de novo, bem cedo, andar no córrego. De vez em quando pulamos de alegria dentro d`água quando achamos um caco igual a outros que já temos. Vamos correndo ver se encaixa no pedaço que está guardado dentro do tanque. O meu maior sonho na vida é achar a outra metade do rei dos cacos. E acho que é, também, o maior sonho do meu irmão.

                   In: Ricardo Ramos e outros. Irmão mais velho, irmão mais novo.
                                                                        São Paulo: Atual, 1992, p. 74-7.

 Entendendo o texto:
01 – Esse texto narra o dia-a-dia de dois irmãos que vivem em uma fazenda.
     a) Quem faz a narração?
     A irmã mais nova.

     b) Como é a fazenda?
     Uma fazenda antiga.

02 – Os pais contam para os filhos como era a fazenda antigamente.
     a) Desde quando a fazenda existe?
     Desde a época da escravidão.

     b) O que a fazenda conserva desse tempo?
     O tanque onde era fabricado o polvilho.

03 – Os irmãos moram com a mãe, o pai e a avó.
     a) Com quem eles convivem mais? Justifique sua resposta.
     Com a mãe e a avó. Porque elas estão ali dentro da casa.

     b) Na sua opinião, por que a mãe e a avó não gostam muito que as crianças andem no córrego?
     Resposta pessoal.

     c) De acordo com o texto, o pai está sempre ausente? Justifique sua resposta com elementos do texto.
      “Meu pai nem vê, porque fica trabalhando o dia inteiro, tratando das vacas, correndo de jipe, tirando leite, passeando a cavalo, cuidando dos porcos.”

04 – A narradora fala do relacionamento dela com o irmão.
     a) Como é o relacionamento entre eles?
      São amigos, porque brincam juntos.

     b) O que ela busca no irmão ao se agarrar nele quando passa pelo porão da casa?
      Segurança.

     c) Por que, na sua opinião, a menina, embora tenha achado o rei dos cacos, permite que o irmão fique com ele?
      Resposta pessoal.

05 – O rei dos cacos não fica com os outros, guardado na casinha, mas numa caixa, junto com outras coisas do irmão.
     a) Por que, na sua opinião, o garoto guarda o rei dos cacos dentro de duas caixas?
      Resposta pessoal.

     b) As coisas guardadas nessa caixa têm algum valor material?
      Não.

     c) Apesar disso, por que, na sua opinião, a irmã não pode tocar em nada, quando ele mostra a ela o conteúdo da caixa?
      Resposta pessoal.

06 – O maior sonho na vida da menina é achar a outra metade do rei dos cacos. Na sua opinião, por que ela acha que esse é também o maior sonho do irmão?
      Resposta pessoal.

07 – Quais dos termos que seguem indicam características da relação entre os irmãos?
       - respeito           - falsidade            - cumplicidade        - orgulho
       - companheirismo     - afeto        - inveja           - camaradagem.




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