TEXTO: O PORTUGUÊS.COM
A comunicação expressa das
salas de bate-papo e dos blogs está mexendo com o idioma em casa e nas escolas.
Isso é bom?
A vida linguística do
futuro está por um fio? Há quem suspeite que sim e culpe o pragmatismo dos
usuários da internet por sua agonia. Na ânsia de se comunicarem num curto
espaço de tempo, eles abreviam palavras ao limite do irreconhecível, traduzem
sentimentos por ícones e renunciam às mais elementares regras da gramática. O
resultado dessa anarquia comunicativa divide opiniões.
Linguista
respeitado, o inglês David Crystal, autor do livro A Linguagem e a Internet,
chama esses defensores da sintaxe de alarmistas e não prevê um futuro
desastroso para a gramática por causa da rede. Lembra que a
invenção do telefone provocou a mesma desconfiança dos estudiosos, preocupados
com o risco de uma afasia epidêmica entre os usuários. Por incorporarem uma
linguagem cheia de “hã, hã” e “alôs”, eles corriam o risco de perder a
capacidade de expressão e a sociabilidade. Não foi o que ocorreu, lembra
Crystal. Ele faz uma previsão otimista: o jargão dos chats (salas de bate-papo)
e dos blogs (diários que se tornam públicos) pode estimular outras formas de
literatura e desenvolver o autoconhecimento do jovem, como percebeu ao analisar
o conteúdo de blogs ingleses.
O outro lado
da história é contado por psiquiatras. Pais de adolescentes com distúrbios de
linguagem estão levando os filhos ao consultório e recebendo um diagnóstico, no
mínimo, preocupante: suspeita-se de uma onda de “dislexia discursiva”. O jovem,
que até então não apresentava nenhum problema na escola, começa a ter uma
avaliação catastrófica dos professores.
Perde a
capacidade de entender o que lê fora do ambiente da rede. Sem entender, não tem
condições de julgar, e sem posição crítica fica incapacitado de reflexões
profundas sobre a realidade que o cerca. Os pais imaginam que o filho está
mentalmente perturbado ou tomando drogas, mas ele apenas renunciou a seu
potencial expressivo para adotar a linguagem estereotipada da internet.
Adolescentes
viraram suas vítimas preferenciais.
Os jovens erguem uma barreira contra seus pais, que
não compreendem uma só palavra das mensagens trocadas com os coleguinhas, mas
ficam igualmente isolados, incapacitados de escrever segundo os códigos
linguísticos formais. O alerta é do médico e neurocientista paulista Cláudio
Guimarães dos Santos. “Essa simplificação da linguagem pelos adolescentes não
pode ser entendida como alternativa, porque esse código acaba tornando o lugar
da escritura convencional”, analisa. “Ninguém escreve um tratado de física com
carinhas e usar o código da rede sem dominar o formal gera erros de percepção.”
O psiquiatra refere-se aos ícones conhecidos como emoticom, que os internautas
usam no correio eletrônico e em seus weblogs para comunicar aos interlocutores
que estão tristes, alegres, entediados, eufóricos ou simplesmente indiferentes.
Os traços sintéticos dessas “carinhas” e a linguagem
telegráfica dos blogueiros não são recursos meramente funcionais, adverte o
médico. Eles revelam que esses jovens consideram supérflua a escritura formal.
“Ao contrário da fala, a comunicação escrita exige aprendizado e ninguém
aprende se não tiver interesse genuíno, o que leva o adolescente a optar pelo
código anárquico da rede”. O professor de língua portuguesa David Fazzolari, do
Colégio Nossa Senhora das Graças, em São Paulo, discorda, argumentando que a
curta existência da internet não justifica previsões tão pessimistas. A
linguagem usada nas salas de bate-papo e nos blogs, diz, é um simulacro da
comunicação oral, dinâmica por natureza.
“As abreviações, os signos visuais e a ausência de
acentuação representam apenas um jeito de se adaptar ao teclado”, observa o
professor. Ele não acredita que a norma culta será contaminada pela
simplificação. “Os adolescentes sabem que ela deve ficar restrita ao ambiente
da rede e não tenho notado um empobrecimento nos textos dos alunos por conta da
adoção do código da internet”.
Mas as redações poderiam ser melhores se a leitura
fosse um hábito familiar, admite. O estudante Leandro Rodrigues Gonçalves, de
17 anos, mantém seu blog como um diário para “criticar” religiosos,
“polemizar”. Como outros blogueiros, começou a usar “eh” no lugar de “é” e
trocar “não” por “naum” até pensar no vestibular e concluir que era melhor
render-se à sintaxe convencional. “A rede me estimulou a ler e a escrever
poesia”, conta. Já Victor Zellmeister, de 15 anos, acha que a internet não
aprimorou seu desempenho. Assim como o colega Gustavo Simon, garante não usar a
“língua” da internet na aula. Colega dos dois, Rafael Mielnik não confunde rede
com escola. “Só uso a net para inutilidades”.
Educadores não identificam perigo nessa linguagem
eletrônica. “Costumamos ver com desconfiança aquilo que foge ao nosso controle,
mas não acho que a rede empobrece a língua”, afirma a orientadora pedagógica
Elione Andrade Câmara. Com ela concorda David Crystal, que costuma rir quando
alguém diz que a nova tecnologia está sufocando a gramática e matando a
cultura: “Sinceramente, acho até que a literatura possa ficar mais rica ao
incorporar expressões de blogueiros do meio rural, produzindo outros gêneros e
abrindo uma dimensão diversa para a escrita”.
Assim seja.
(FRANZOIA, Ana Paula e FILHO, Antônio
Gonçalves. In:
Revista Época. Pág. 54-55, 09/09/2002).
ENTENDENDO O TEXTO:
01 – “A vida linguística do futuro está por um fio?” A respeito deste
questionamento, o texto afirma que:
A ( ) Está, e é por exclusiva culpa do pragmatismo de todos os usuários
da internet, por abreviarem palavras ao limite do irreconhecível.
B ( ) Para David Crystal, respeitado linguista, a invenção do telefone
provocou a mesma desconfiança, no sentido de seus usuários perderem a
capacidade de expressão oral e escrita.
C ( ) Os psiquiatras suspeitam de uma onda de “dislexia discursiva” que
acometeu os adolescentes, os quais perderam não só a capacidade de julgar, mas
também de conviver fora da rede.
D ( ) Os pais imaginam que o filho esteja mentalmente perturbado ou
tomando drogas, porque a internet considera os adolescentes suas vítimas
preferenciais.
E
(x) Pode estimular outras formas de literatura e desenvolvimento do
autoconhecimento do jovem que faz uso de chats e blogs.
02 – “Pais de adolescentes com distúrbios de linguagem estão levando
seus filhos ao consultório”.
O fragmento acima é
ambíguo, por apresentar duplo sentido. Tal ambiguidade decorre do fato de que:
A ( ) O sujeito é simples, apresentando dois adjuntos adnominais
introduzidos por preposições diferentes, porém de mesmo valor semântico.
B
(x) Há dois adjuntos adnominais, um dos quais pode estar se referindo tanto ao
outro adjunto adnominal quanto ao restante do segmento destacado.
C ( ) O sujeito é simples e plural, acarretando, por ter dois adjuntos
adnominais também no plural, dupla possibilidade de entendimento.
D ( ) As preposições que introduzem os adjuntos adnominais são
diferentes e introduzem noções diferentes, ainda que o sujeito seja composto.
E ( ) Um adjunto adnominal refere-se a “distúrbios” e o outro, à
“linguagem”.
03 – “Na ânsia de se comunicarem num curto espaço de tempo, eles abreviam
palavras ao limite do irreconhecível.” O termo destacado acima, por referir-se
a outro mencionado anteriormente
(“usuários da internet”) tem função anafórica. Assinale a
opção na qual ocorre um termo com função textual diferente:
A ( ) ”O jovem, que até então não apresentava nenhum
problema na escola...”
B ( ) “Perde a capacidade de entender o que lê fora do
ambiente da rede.”
C ( ) “Os adolescentes sabem que ela deve ficar
restrita ao ambiente da rede...”
D ( ) “Há quem suspeite que sim e culpe o pragmatismo dos usuários da
internet por sua agonia”.
E
(X) “... produzindo outros gêneros e abrindo uma dimensão
diversa para
a escrita”.
04 – Assinale a opção em que o termo destacado exerce função sintática
diferente dos demais:
A ( ) “... chama esses defensores da sintaxe de
alarmistas...”
B ( ) “Lembra que a invenção do telefone provocou...”
C
(X) “... a mesma desconfiança dos estudiosos...”
D ( ) “Essa simplificação da linguagem pelos
adolescentes não pode ser entendida...”
E ( ) “... um empobrecimento nos textos dos alunos por conta da
adoção do código da internet.”
05 – Assinale a opção em que a afirmação feita a respeito
da sentença e/ou de seus termos é verdadeira:
A (X) “suspeita-se de uma
onda de ‘dislexia discursiva’.” (O sujeito desta oração é indeterminado).
B ( ) “O outro lado da história é contado por
psiquiatras.” (A oração está na voz ativa).
C ( ) “Adolescentes viraram suas vítimas
preferenciais.” (O segmento “suas vítimas preferenciais” exerce a função de
objeto direto).
D ( ) “Ninguém escreve um tratado de física com
carinhas...” (o sujeito da oração é indeterminado).
E ( ) “... eles corriam o
risco de perder a capacidade de expressão e a sociabilidade.” (a oração
destacada exerce a função de objeto indireto).
06 – Assinale a opção em que está corretamente caracterizada a ideia ou circunstância expressa entre parênteses:
06 – Assinale a opção em que está corretamente caracterizada a ideia ou circunstância expressa entre parênteses:
A ( ) "Ninguém escreve
um tratado de física com carinhas... " (modo)
B ( ) "Sinceramente,
acho até que a literatura possa ficar mais rica ao incorporar
expressos de blogueiros do meio rural... " (tempo)
C ( ) “... a curta
existência da internet não justifica previsões tão pessimistas.” (Exclusividade)
D ( ) “Ao
contrário da fala, a comunicação escrita exige aprendizado ...” (oposição)
E ( ) “As abreviações, os
signos visuais e a ausência de acentuação representam apenas um jeito
de se adaptar ao teclado”. (Intensidade)
07 - Assinale a opção na qual se fez o correto comentário a respeito do verbo/locução verbal destacado(a) nas orações seguintes:
A ( )
“Adolescentes viraram suas vítimas preferenciais.” (O verbo exprime
ação).
B ( ) “O jovem,
que até então não apresentava nenhum problema na escola, começa a
ter uma avaliação catastrófica dos professores”. (A locução verbal exprime
mudança de estado).
C ( ) “... e sem posição
crítica fica incapacitado de reflexões profundas sobre a realidade
que o cerca.” (O verbo exprime localização).
D ( ) “... para comunicar
aos interlocutores que estão tristes, alegres, entediados, eufóricos
ou simplesmente indiferentes.” (O verbo exprime estado permanente).
E ( ) “... o jargão dos
chats (salas de bate-papo) e dos blogs (diários que se tornam
públicos)...” (o verbo indica início de ação).
08 - “Costumamos ver com desconfiança aquilo que foge ao nosso controle, mas não acho que a rede empobrece a língua”. “Os adolescentes sabem que ela deve ficar restrita ao ambiente da rede e não tenho notado um empobrecimento nos textos dos alunos por conta da adoção do código da internet.” Acerca das palavras destacadas nos fragmentos acima, assinale a alternativa correta:
A ( ) Ambas as palavras são derivadas por
prefixação.
B ( ) Ambas as palavras são derivadas por
sufixação.
C ( ) Ambas as palavras são formadas por derivação
prefixal-sufixal.
D ( ) Ambas as palavras são derivadas de um mesmo verbo.
E (X) Ambas as palavras são formadas por
derivação parassintética.
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