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sábado, 30 de setembro de 2017

LITERATURA - FIM DE CASO (SENHORA-JOSÉ DE ALENCAR) - COM GABARITO


LITERATURA : FIM DE CASO 
                              José de Alencar

        Aurélia passava agora as noites solitárias.
        Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para justificar sua ausência. A menina que não pensava em interroga-lo, também não contestava esses fúteis eventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema desagradável.
        Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez do coração não lhe consentia queixar-se. Além de que, ela tinha sobre o amor ideias singulares, talvez inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça.
        Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas e pois a afeição que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que dele recebia.  
        Quando se lembrara que esse amor a poupara à degradação de um casamento de convivência, nome com que se decora o mercado matrimonial, tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.
        Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heroica dedicação, que entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem amado, e se deixava abandonar, sem preferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a ventura que foge.
        [...]
        Em princípio a menina cuidou que Seixas lhe voltara, e encheu-se de júbilo; mas não durou a ilusão. Logo percebeu que não era o desejo de vê-la e estar com ela, o que levava o moço à sua casa; pois os poucos instantes de demora passava-os inteiramente distraído e como perplexo.
        --- O senhor quer dizer-me alguma coisa, mas receia afligir-me, observou a menina uma noite com angélica resignação.
        Fernando aproveitou a ocasião para resolver a crise.
        --- Meu voto mais ardente, Aurélia, sonho dourado de minha única mulher que amei neste mundo. Mas a fatalidade que pesa sobre mim, aniquilou todas as minhas esperanças; e eu seria um egoísta, se prevalecendo-me de sua afeição, a associasse a uma existência obscura e atribulada. A santidade de meu amor deu-me a força para resistir a seus próprios impulsos. Disse uma vez à sua mãe, pressentindo essa cruel situação: sou menos infeliz renunciando à sua mão, do que seria aceitando-a para fazê-la desgraçada, e condená-la às humilhações da pobreza.
        --- Essas já as conheço, respondeu Aurélia com tênue ironia, e não me aterram; nasci com elas, e têm sido as companheiras de minha vida.
        --- Não me compreendeu, Aurélia; referia-se a um partido vantajoso que decerto aparecerá, logo que esteja livre.
        --- Pensa então que basta uma palavra sua para restituir-me a liberdade? perguntou a moça com um sorriso.
        --- Sei que a fatalidade que nos separa não pode romper o elo que prende nossas almas, e que há de reuni-las em um mundo melhor. Mas Deus nos deu uma missão neste mundo, e temos de cumpri-la.
        --- A minha é amá-lo. A promessa que o aflige, o senhor pode retirá-la tão espontaneamente como a fez. Nunca lhe pedi, nem mesmo simples indulgência, para esta afeição; não lhe pedirei neste momento em que ela o importuna.
        --- Atenda, Aurélia! Lembre-se de sua reputação. Que não diriam se recebesse a corte de um homem, sem esperança de ligar-se a ele pelo casamento?
        --- Diriam talvez que eu sacrificava a uma amor desdenhado, um partido brilhante, o que é uma...
        A moça cortou a ironia, retraindo-se.
        --- Mas não; faltariam à verdade. Não sacrifiquei nenhum partido; o sacrifício é a renúncia de um bem; o que eu fiz foi defender a minha afeição. Sejamos francos: o senhor já não me ama; não o culpo, e nem me queixo.
        Seixas balbuciou umas desculpas e despediu-se.
        Aurélia demorou-se um instante na rótula, como costumava, para acompanhar ao amante com a vista até o fim da rua. Se Fernando não estivesse tão entregue à satisfação de haver readquirido sua liberdade, teria ouvido no dobrar da esquina o eco de um soluço.
        [...]
                                                José de Alencar. Senhora. São Paulo:
                                                                      Scipione, 1994. p.. 76-7.

1 – O autor afirma que Aurélia tinha ideias singulares sobre o amor. Que atitude da personagem vem confirmar essa afirmação? (Considere que Senhora, romance do qual foi retirado o texto, foi publicado em 1875.)
      Aurélia aceita o afastamento de Fernando com resignação, facilitando-lhe, inclusive, o rompimento do compromisso.

2 – Caracterize psicologicamente as duas personagens.
      Aurélia: jovem sensível, altiva. Tem por Fernando um amor que chega à veneração.
      Fernando Seixas: jovem egoísta e covarde que busca pretextos para justificar sua falta de caráter.

3 – Aurélia diz adorar Seixas como seu Deus e redentor. De que ele a estaria redimindo?
      De um casamento de conveniência, do qual ele a poupara.

4 – Analise o procedimento de Seixas: seria correto afirmar que Aurélia estava idealizando a figura do amado?
      Sim. Ela fazia dele um deus. Não queria admitir que era humano e cheio de defeitos.

5 – Releia o sexto parágrafo. Observe o emprego das palavras Heroica e impassível. Com que intenção o autor as usou?
      Com a intensão de mostrar uma heroína impassível, que não deixa transparecer seus verdadeiros sentimentos.

6 – Releia a argumentação usada por Seixas, para justificar o rompimento do compromisso. Por que ela não convence?
      Existe na fala de Seixas uma sinceridade exagerada, que nos faz desconfiar dele. Além disso, ele exagera também na descrição de sua situação econômica, sem explicar mais detalhadamente por que iria “condená-la às humilhações da pobreza”.

7 – Observe a frase:
      “--- Pensa então que basta uma palavra sua para restituir-me a liberdade?”
a)   A que liberdade se refere a moça?
À liberdade que seu coração conseguiria caso deixasse de amar Seixas.

b)   O que seria necessário para conseguir essa liberdade, além da palavra de Seixas?
A decisão dela de esquecê-lo para sempre.

8 – O que levou Aurélia a se resignar diante da decisão de Seixas?
      Aurélia sabia de sua posição social inferior, talvez se achasse indigna do rapaz; além disso, a grandeza de seu caráter a impediria de obrigar Seixas a ficar com ela sem que ele a amasse o suficiente. Seu amor não é egoísta. Considerar, também, a situação da mulher na sociedade da época, em geral.

9 – Localize os adjetivos usados pelo autor para caracterizar os seguintes substantivos: sonho, posição, existência, ironia, partido, voto. O que você nota? Releia o texto, observando o emprego dos adjetivos, de modo geral, e faça um comentário.
      Sonho dourado; posição brilhante; existência obscura; ironia tênue; partido brilhante; voto ardente. O aluno deverá notar que os adjetivos estão ligados a luz, cor ou luminosidade. No conjunto, conferem ao texto a impressão de um jogo de luzes: claro/escuro.

10 – “Conhecia a moça que Seixas retira-lhe seu amor”; “Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas”. O que você observa quanto à estruturação desses períodos? Qual seria a razão dessa construção?
      O aluno deverá observar que há inversão (hipérbole) dos termos: a oração começa pelo verbo, deslocando-se o sujeito para depois do verbo. Considerar que o texto é do Século XIX; pelo que podemos perceber em outros textos da mesma época, o hipérbato era um recurso usual.

11 – Há no texto o emprego frequente de orações subordinadas substantivas. Observe em que passagens isso ocorre e dê uma justificativa para essa opção do autor.
      O autor usa frequentemente o discurso indireto (“Conhecia a moça que...”; “Pensava ela que...”); consequentemente, recorre às orações subordinadas.

12 – Refletindo sobre as características do texto que você leu, procure traçar:
a)   O perfil do leitor a que ele se destina.
Centrando-se no ponto de vista da heroína, percebe-se que o texto está dirigido a um público feminino.

b)   A condição da mulher na sociedade da época.
A mulher, principalmente as pertencentes às classes menos ricas, tinha pouco poder de decisão sobre sua vida sentimental, ficando sujeita à decisão dos homens. No caso específico de Aurélia, essa situação irá mudar a partir do momento em que ela herdará uma fortuna.



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