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sábado, 22 de julho de 2017

CONTO: NO RETIRO DA FIGUEIRA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

NO RETIRO DA FIGUEIRA
                                                                                      MOACYR SCLIAR

                Sempre achei que era bom demais. O lugar, principalmente. O lugar era... era maravilhoso. Bem como dizia o prospecto: maravilhoso. Arborizado, tranquilo, um dos últimos locais – dizia o anúncio – onde você pode ouvir um bem-te-vi cantar. Verdade: na primeira vez que fomos lá, ouvimos o bem-te-vi. E também constatamos que as casas eram sólidas e bonitas, exatamente como o prospecto as descrevia: estilo moderno, sólidas e bonitas. Vimos os gramados, os parques, os pôneis, o pequeno lago. Vimos o campo de aviação. Vimos a majestosa figueira que dava nome ao condomínio: Retiro da Figueira.
                Mas o que mais agradou à minha mulher foi a segurança. Durante todo o trajeto de volta à cidade – e eram uns bons cinquenta minutos – ela falou, entusiasmada, da cerca eletrificada, das torres de vigia, dos holofotes, do sistema de alarmes – e sobretudo dos guardas. Oito guardas, homens fortes, decididos – mas amáveis, educados. Aliás, quem nos recebeu naquela visita, e na seguinte, foi o chefe dele, um senhor tão inteligente e culto que logo pensei: “ah, mas ele deve ser formado em alguma universidade”. De fato: no decorrer da conversa ele mencionou – mas de maneira casual – que era formado em Direito. O que só fez aumentar o entusiasmo de minha mulher.
               Ela andava muito assustada ultimamente. Os assaltos violentos se sucediam na vizinhança; trancas e porteiros eletrônicos já não detinham os criminosos. Todos os dias sabíamos de alguém roubado e espancado; (...) minha mulher decidiu – tínhamos de mudar de bairro. Tínhamos de procurar um lugar seguro.
               Foi então que enfiaram o prospecto colorido sob nossa porta. Às vezes penso que se morássemos num edifício mais seguro, o portador daquela mensagem publicitária nunca teria chegado a nós, e, talvez... Mas isto agora são apenas suposições. De qualquer modo, minha mulher ficou encantada com o Retiro da Figueira. Meus filhos estavam vidrados nos pôneis. E eu acabava de ser promovido na firma. As coisas todas se encadearam, e o que começou com um prospecto sendo enfiado sob a porta transformou-se – como dizia o texto – num novo estilo de vida.
                Não fomos o primeiro a comprar casa no Retiro da Figueira. Pelo contrário, entre nossa primeira visita e a segunda – uma semana após – a maior parte das trinta residências já tinha sido vendida. O chefe dos guardas me apresentou a alguns dos compradores. Gostei deles: gente como eu, diretores de empresa, profissionais liberais, dois fazendeiros. Todos tinham vindo pelo prospecto. E quase todos tinham se decidido pelo lugar por causa da segurança. Naquela semana descobri que o prospecto tinha sido enviado a uma quantidade limitada de pessoas. Na minha firma, por exemplo, só eu o tinha recebido. Minha mulher atribuiu o fato a uma seleção cuidadosa de futuros moradores – e viu mais um motivo de satisfação. Quanto a mim, estava achando tudo muito bom. Bom demais.
              Mudamos nos. A vida lá era realmente um encanto. Os bem-te-vis eram pontuais: às sete da manhã, começavam seu concerto. Os pôneis eram mansos, as aleias ensaibradas estavam sempre limpas. A brisa agitava as árvores do parque – cento e doze, bem como dizia o prospecto. Por outro lado, o sistema de alarmes era impecável. Os guardas compareciam periodicamente à nossa casa para ver se estava tudo bem – sempre gentis, sempre sorridentes.  O chefe deles era uma pessoa particularmente interessada: organizava festas e torneios, preocupava-se com nosso bem-estar. Fez uma lista dos parentes e amigos dos moradores – para qualquer emergência, explicou, com um sorriso tranquilizador. O primeiro mês decorreu – tal como prometido no prospecto – num clima de sonho. De sonho, mesmo.
           Uma manhã de domingo, muito cedo – lembro-me que os bem-te-vis ainda não tinham começado a cantar – soou a sirene de alarmes. Nunca tinha tocado antes, de modo que ficamos um pouco assustados – um pouco, não muito. Mas sabíamos o que fazer: nos dirigimos, em ordem, ao salão e festas, perto do lago. Quase todos ainda de roupão ou pijama.
               O chefe dos guardas estava lá, ladeado por seus homens, todos armados de fuzis. Fez-nos sentar, ofereceu café. Depois, sempre pedindo desculpas pelo transtorno, explicou o motivo da reunião: é que havia marginais nos matos ao redor do Retiro e ele, avisado pela polícia, decidira pedir que não saíssemos naquele domingo.
             - Afinal – disse, em tom de gracejo – está um belo domingo, os pôneis estão aí mesmo, as quadras de tênis...
              Era mesmo um homem muito simpático. Ninguém chegou a ficar verdadeiramente contrariado.
              Contrariados ficaram alguns no dia seguinte, quando a sirene tornou a soar de madrugada. Reunimo-nos de novo no salão de festas, uns resmungando que era segunda-feira, dia de trabalho. Sempre sorrindo, o chefe dos guardas pediu desculpas novamente e disse que infelizmente não poderíamos sair – os marginais continuavam nos matos, soltos. Gente perigosa; entre eles, dois assassinos foragidos. À pergunta de um irado cirurgião, o chefe dos guardas respondeu que, mesmo de carro, não poderíamos sair; os bandidos poderiam bloquear a estreita estrada do Retiro.
            — E vocês, por que não nos acompanham? — perguntou o cirurgião.
            — E quem vai cuidar da família de vocês? – disse o chefe dos guardas, sempre sorrindo.
               Ficamos retidos naquele dia e no seguinte. Foi aí que a polícia cercou o local: dezenas de viaturas com homens armados, alguns com máscaras contra gases. De nossas janelas, nós os víamos e reconhecíamos: o chefe dos guardas estava com a razão.
              Passávamos o tempo jogando cartas, passeando ou simplesmente não fazendo nada. Alguns estavam até gostando. Eu não. Pode parecer presunção dizer isto agora, mas eu não estava gostando nada daquilo.
              Foi no quarto dia que o avião desceu no campo de pouso. Um jatinho. Corremos para lá.
              Um homem desceu e entregou uma maleta ao chefe dos guardas. Depois olhou para nós — amedrontado, pareceu-me — e saiu pelo pretão da entrada, quase correndo.
             O chefe dos guardas fez sinal para que não nos aproximássemos. Entrou no avião. Deixou a porta aberta, e assim pudemos ver que examinava o conteúdo da maleta. Fechou-a, chegou à porta e fez um sinal. Os guardas vieram correndo, entraram todos no jatinho. A porta se fechou, o avião decolou e sumiu.
                Nunca mais vimos o chefe e seus homens. Mas estou certo de que estão gozando o dinheiro pago por nosso resgate. Uma quantia suficiente para construir dez condomínios iguais ao nosso – que eu, diga-se de passagem, sempre achei que era bom demais.

                                             SCLIAR, Moacyr. No Retiro da Figueira.
               Contos contemporâneos. São Paulo: Moderna, 2005.p. 76.

  

 CONSTRUINDO O SENTIDO DO TEXTO - QUESTÕES DISSERTATIVAS E OBJETIVAS

01 – Como os moradores do Retiro da Figueira ficaram sabendo da existência do condomínio?
      Através de um prospecto colorido que enfiaram sob a porta.

02- Que motivo levou a maioria a se decidir por comprar uma casa no Retiro da Figueira?
      Segurança.

03 – No decorrer do texto, o narrador cita o prospecto várias vezes.
a)       Que informação constavam nesse anúncio?
Dizia o anúncio – onde você pode ouvir um bem-te-vi; cadas eram sólidas, bonitas e estilo moderno, gramados, parques pôneis, pequeno lago.

b)       A que mulher do narrador atribui o fato de que “o prospecto tinha sido enviado apenas a uma quantidade limitada de pessoas”? E o que o narrador achou disso?
A mulher atribuiu o fato a uma seleção cuidadosa de futuros moradores – e viu nisso mais um motivo de satisfação. Achou tudo muito bem.

c)        Por que, na verdade, apenas essas pessoas receberam o prospecto?
Elas foram escolhidas e ou sequestradas.

d)       Que outros meios poderiam ser usados para divulgar a existência do condomínio? Por que não foram usados?
Propagandas nos meios de comunicação, plantão de vendas no local. Não foram usados porque estes moradores foram escolhidos.

e)       Ao longo do conto, o narrador repete insistentemente que as informações constavam “no prospecto”. Qual o motivo dessa repetição?
Enfatizando o porquê eles decidiram mudar para este condomínio.

04 – Que justificativa o chefe dos guardas apresentou para pedir uma lista com o nome de parentes e amigos dos moradores? Para que essa lista serviria, na verdade?
       Fez uma lista dos parentes e amigos dos moradores – para qualquer emergência. Seria para pedir resgate para os familiares.

05 – Como o chefe dos guardas se comportou ao informar aos moradores que não poderiam sair de casa no domingo? Qual o seu real objetivo ao comportar-se dessa maneira?
       Em tom de gracejo disse que em um belo domingo, os pôneis estão aí mesmo, as quadras de tênis... O real objetivo era disfarçar para não perceberem que estavam sequestrados, por isso não poderiam sair.

 06 – O que os moradores reconheceram no momento em que a polícia cercou o condomínio?
       Reconheceram que o chefe dos guardas estava com a razão, proibindo eles de saírem.

07 – Qual o verdadeiro motivo pelo qual a polícia cercou o Retiro da Figueira?
       Libertar os moradores.

 08 – O que havia na maleta que o homem que desceu do jatinho entregou ao chefe dos guardas?

       Havia muito dinheiro, pois segundo o narrador daria para construir dez condomínios iguais aquele.


09 – Em “De fato: no decorrer da conversa ele mencionou – mas de maneira casual – que era formado em Direito.” Em relação ao modo como o chefe dos guardas mencionara sua formação em Direito, pode-se deduzir que na verdade, não era importante, para ele, mencionar o curso:
a)   Seria mais uma estratégia, pois era importante mencionar o curso.
b)   Era mentira, o chefe não queria se comprometer.
c)   Não queria chamar a atenção, pois não imaginava que o curso fosse tão importante.
d)   Aquela era só mais uma, dentre as várias mentiras.

10 – Sobre os “organizadores” do condomínio Retiro da Figueira pode-se dizer que não tiveram muito trabalho em organizar o “empreendimento”:
a)   Sabiam que estariam lidando com pessoas ingênuas.
b)   Planejaram, meticulosamente, cada detalhe da ação.
c)   Provavelmente todos tinham curso superior, dada a habilidade deles.
d)   De qualquer forma sairiam lucrando muito, pois receberiam pelas casas vendidas.

11 – “Foi aí que a polícia cercou o local: dezenas de viaturas com homens armados alguns com máscaras contra gases. De nossas janelas nós os víamos e reconhecíamos: o chefe dos guardas estava com a razão.” Nessa passagem do conto, o narrador refere-se ao fato de que havia conseguido ver e reconhecer os marginais que cercavam o condomínio, conforme informado pelo chefe dos guardas.
a)   Confirma a informação previamente transmitida aos moradores pelo chefe dos guardas sobre a chegada da polícia para efetuar a prisão dos marginais que cercavam o condomínio.
b)   Equivoca-se quando reconhece que o “chefe dos guardas estava com a razão.”
c)   Reconhece que o condomínio lhes proporciona toda a segurança, tanto que passavam o tempo “jogando cartas, passeando ou simplesmente não fazendo nada.”
d)   Atesta a eficiência dos guardas do condomínio, que auxiliam o trabalho da polícia.

12 – A alternativa em que o narrador demonstra certa desconfiança do tratamento oferecido pelos guardas é “Sempre sorrindo, o chefe dos guardas pediu desculpas novamente e disse que infelizmente não podíamos sair – os marginais continuavam nos matos, soltos.”
a)   “Os guardas compareciam periodicamente à nossa casa para ver se estava tudo bem – sempre gentis, sempre sorridentes.”
b)   “O chefe deles era uma pessoa particularmente interessada: organizava festas e torneios, preocupava-se com nosso bem-estar.”
c)   “Minha mulher (...) viu nisso mais um motivo de satisfação. Quanto a mim, estava achando tudo muito bom. Bom demais.”
d)   “Passávamos o tempo jogando cartas, passeando ou simplesmente não fazendo nada. Alguns estavam até gostando.”

13 – “Oito guardas, homens fortes, decididos – mas amáveis, educados.” Em função do que se pode depreender da análise global do conto, os guardas tinham as características adequadas ao padrão do condomínio e zelavam, com eficiência, pela segurança e bem-estar dos moradores.
a)   Dissimuladoras de suas reais intenções e visavam não despertar qualquer desconfiança delas por parte dos moradores.
b)   Pouco adequadas a homens que prestam tais serviços, mais eficazmente desempenhados por homens brutos, grosseiros.
c)   Contraditórios, não sendo encontradas conjuntamente num mesmo indivíduo.
d)   Essenciais e que se mostraram decisivas quando da preservação da segurança dos moradores em face do cerco dos marginais ao condomínio.

14 – A frase que exprime a principal razão que levou a família a se interessar pelo Retiro da Figueira é:
a)   “O lugar era... era maravilhoso.”
b)   “Tínhamos de procurar um lugar seguro.”
c)   “Foi então que enfiaram um prospecto colorido sob nossa porta.”
d)   “De qualquer modo, minha mulher ficou encantada com o Retiro da Figueira.”
e)   “E eu acabava de ser promovido na firma.”

15 – Confrontando o terceiro e o quarto parágrafos, verificamos certa coincidência dos fatos narrados. O termo que exprime essa relação é:
a)   “Andava”
b)   “Então”
c)   “Às vezes”
d)   “Nunca”
e)   “Talvez”.




6 comentários:

  1. Todas as pessoas poderiam morar no retiro da fiqueira?por que

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  2. 5) Reflita sobre a ambição e vaidade da classe média atual e escreva um pequeno parágrafo apontando sua opinião sobre o fato (fictício) ocorrido no texto. Você acredita que isso seria possível na realidade em que vivemos?
    ME AJUDEMMMM

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  3. Você se surpreendeu ao ler o final do texto? Comente a sua reação. Alguém me ajuda

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  4. es hora de dormir shh shh shhh sshshh

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