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quarta-feira, 17 de maio de 2017

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA - LIMA BARRETO -COM GABARITO


 TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA

        “A sala era pequena e de telha-vã. Pelas paredes, velhos cromos de folhinhas, registros de santos, recortes de ilustrações de jornais baralhavam-se e subiam por elas acima até dois terços de altura. Ao lado de uma Nossa Senhora da Penha, havia um retrato de Vitor Emanuel com enormes bigodes em desordem; um cromo sentimental de folhinha – uma cabeça de mulher em posição de sonho – parecia olhar um São João Batista ao lado. No alto da porta que levava ao interior da casa, uma lamparina, numa cantoneira, enchia de fuligem a Conceição de Louça.
        Não tardou vir a velha. Entrou em camisa de bicos de rendas, mostrando o peito descarnado, enfeitado com um colar de miçanga de duas voltas. Capengava de um pé e parecia querer ajudar a marcha, com a mão esquerda pousada na perna correspondente.
        --- Boas tardes, tia Maria Rita, disse o general.
        Ela respondeu, mas não deu mostras de ter reconhecido quem lhe falava. O general atalhou:
        --- Não me conhece mais? Sou o general, o Coronel Albernaz.
        Ah! É só coroné... Há quanto tempo! Como está nhã Maricota?
        --- Vai bem. Minha velha, nós queríamos que você nos ensinasse umas cantigas.
        --- Quem sou eu, ioiô!
        --- Ora! Vamos, tia Maria Rita... você não perde nada... você não sabe o Bumba-meu-boi?
        --- Quá ioiô, já me esqueceu.
        --- E o “boi Espácio”.
        --- Coisa veia, do tempo do cativeiro – pra que sô coroné qué sabe disso?
        Ela estava arrastando as sílabas, com um doce sorriso e um olhar vago.
        --- É para uma festa... Qual é a que você sabe?
        A neta que até ali ouvia calada a conversa animou-se a dizer alguma coisa, deixando perceber rapidamente a fiada reluzente de seus dentes imaculados.
        --- Vovó já não se lembra.
        O general, que a velha chamava coronel, por tê-lo conhecido nesse posto, não entendeu à observação da moça e insistiu:
        --- Qual esquecida, o quê! Deve saber ainda alguma coisa, não é, titia?
        --- Só sei o “Bicho Tutu”, disse a velha.
        --- Cante lá!
        --- Ioiô sabe! Não sabe? Quá, sabe!
        --- Não sei, cante. Se eu soubesse não vinha aqui. Pergunte aqui ao meu amigo, o Major Policarpo, se sei.
        Quaresma fez com a cabeça sinal afirmativo e a preta velha, talvez com grandes saudades do tempo em que era escrava e ama de alguma grande casa, farta e rica, ergueu a cabeça, como para melhor recordar-se e entoou:
        É vem Tutu
        Por detrás do murundu
        Pra cumê sinhozinho
        Cum buraco de angu
        --- Ora! fez o general com enfado, isso é coisa antiga de embalar crianças. Você não sabe outra?
        --- Não, sinhô. Já mi esqueceu.
        Os dois saíram tristes. Quaresma vinha desanimado. Como é que o povo não guardava as tradições de trinta anos passados? Com que rapidez morriam assim na sua lembrança os seus folgares e as suas canções? Era bem um sinal de fraqueza, uma demonstração de inferioridade diante daqueles povos tenazes que os guardam durante séculos! Tornava-se preciso reagir, desenvolver o culto das tradições, mantê-las sempre vivazes nas memórias e nos costumes.

                                         Lima Barreto. In: Triste Fim de Policarpo Quaresma.
                                                      São Paulo: Editora Moderna, 1964. pp. 13-4.

1 – A influência da estética realista no texto é evidente. Nele, só NÃO podemos encontrar:
a)     Idealização do universo retratado.
b)    Enfoque das camadas menos favorecidas da população.
c)     Atmosfera de melancolia que perpassa a cena.
d)    Técnica minuciosa d descrição do ambiente.
e)     Pura ação, o que acarreta o ritmo lento da narrativa.

2 – O texto só NÃO exibe:
a)     As diferenças linguísticas existente entre falantes pertencentes a grupos sociais diversos.
b)    O temperamento doce e submisso da velha escrava.
c)     A situação socioeconômica da Maria Rita através da descrição do ambiente e do próprio personagem.
d)    O caráter firme e decidido do general, o que se evidencia nas perguntas reiteradas à velha.
e)     A visão ufanista do País, herança do movimento romântico legada aos pré-modernistas.

3 – A descrição do cenário, a casa de Maria Rita, revela:
a)     Ambiente pobre e cheio de alegria.
b)    Atmosfera decadente e opressora.
c)     Referências culturais dos moradores.
d)    Resquícios da decadência burguesa.
e)     Religiosidade requintada.

4 – “Como é que o povo não guardava as tradições de trinta anos passados? Com que rapidez morriam assim na sua lembrança os seus folgares e as suas canções? Era bem um sinal de fraqueza, uma demonstração de inferioridade diante daqueles povos tenazes que os guardam durante séculos.” No texto credita-se o esquecimento das velhas canções à:
a)     Superioridade do povo que, rejeitando o passado, projeta-se para o futuro;
b)    Debilidade inerente ao próprio povo.
c)     Ignorância de Maria Rita, associada à sua fraqueza de memória.
d)    Antiguidade das canções, muitas datadas de mais de trinta anos.
e)     Pobreza da herança cultural que é legada ao povo.

5 – “Tornava-se preciso reagir, desenvolver o culto das tradições, mantê-las sempre vivazes nas memórias e nos costumes (...)” Sobre a frase, só NÃO se pode dizer que:
a)     Faz parte do raciocínio de Quaresma ao sair da casa de Maria Rita.
b)    Mostra o caráter combativo e idealista do personagem.
c)     Demonstra a necessidade da preservação das tradições nacionais através da atuação institucional.
d)    Afirma a importância da manutenção das tradições populares.
e)     Vincula a preservação das tradições à sua permanente manutenção na alma popular.



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