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domingo, 21 de maio de 2017

LITERATURA - A BAGACEIRA - INTERPRETAÇÃO COM GABARITO


LIVRO: A BAGACEIRA - OS SALVADOS

       A casa grande, situada numa colina, sobranceava o caminho apertado, no trecho fronteiro, entre o cercado e o açude.
       Num repentino desenfado, Dagoberto estirou o olhar, por cima das mangueiras meãs enfileiradas ladeira abaixo, para a estrada revolta.
       Parecia a poeira levantada, a sujeira do chão num pé de vento.
       Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com aspecto terroso e o teor das covas podres.
       Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas em vez de ser lavado por elas.
       Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar, não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados.
       Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo.
       Adelgaçados na magreira cômica, cresciam como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando.
       Vinham escoteiros, menos os hiprópicos – doentes de alimentação tóxica – com os fardos das barrigas alarmantes.
       Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma.
       Meninotas, com as pregas da súbita velhice, caretavam torcendo as carinhas decrépitas de ex-voto. Os vaqueiros másculos, como titãs alquebrados em petição de miséria. Pequenos fazendeiros, no arremesso igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento.
       Fariscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exacerbava os estômagos jejunos. E, em vez de comerem, eram comidos pela própria fome numa autofagia erosiva.
       Lúcio almoçava com o sentido nos retirantes. Escondia côdeas nos bolsos para distribuir com eles como quem lança migalhas e aves de arribação.
       (...)
       --- Vem tirar a barriga da miséria...
       Párias da bagaceira, vítimas de uma emperrada organização do trabalho e dependência que os desumanizava, eram os mais insensíveis ao martírio das retiradas.
       A colisão dos meios pronunciava-se no contato das migrações periódicas. Os sertanejos eram malvistos nos brejos. E o nome de brejeiro cruelmente pejorativo.
       Lúcio responsabilizava a fisiografia paraibana por esses choques rivais. A cada zona correspondiam tipos e costumes marcados. Essa diversidade criava grupos sociais que acarretavam os conflitos de sentimentos.
       Estrugia a trova repulsiva:
       Eu não vou na sua casa,
       Você não venha na minha,
       Porque tem a boca grande,
       Vem comer minha farinha...
       Homens do sertão, obcecados na mentalidade das reações cruentas, não convocaram as derradeiras energias num arranque selvagem. A história das secas era uma história de passividades.
       Limitavam-se a fitar os olhos terríveis nos seus ofensores. Outros ronronavam, como se estivessem engolindo golfadas de ódio.
       E nas terras copiosas, que lhe denegavam as promessas visionadas, goravam seus sonhos de redenção.
       Dagoberto olhava por olhar, indiferente a essa tragédia viva.
       A seca representava a valorização da sara. Os senhores de engenho, de uma avidez vã, refaziam-se da depreciação dos tempos normais à custa da desgraça periódica.

                                                José Américo Almeida. A Bagaceira, 12ª ed. Rio:
                                                                 Livraria José Olympio Ed, 1972, p. 4-6.
1 – Assinale a afirmativa falsa:
a)     A Bagaceira é o primeiro romance regionalista do chamado Modernismo brasileiro.
b)    A linguagem do autor do texto é culta, com vocabulário erudito e até com construções clássicas.
c)     A titulação do texto refere-se aos retirantes sertanejos, como restos que escapavam do flagelo da seca.
d)    Há presença de imagens criadas a partir de elementos científicos.
e)     Há ausência da análise crítica das estruturas sociais brasileiras que caracterizou a segunda geração do Modernismo.

2 – Assinale a afirmação FALSA sobre a linguagem do texto:
a)     Predominam os períodos curtos, incisivos.
b)    Há muitas frases nominais, como, por exemplo, todo o décimo segundo parágrafo.
c)     O autor faz largo uso dos paroxítonos e de longos proparoxítonos, criando um ritmo áspero e forte, como, por exemplos, “fantasmas estropiados, trôpegos e trêmulos adelgaçados na magreira cômica...”.
d)    O texto é predominantemente descritivo, com digressões do autor. Como exemplo, o décimo sétimo parágrafo.
e)     No texto só ocorrem imagens visuais.

3 – Sobre o texto, NÃO se pode afirmar:
a)     O autor projeta poeticamente o antagonismo de estruturas sociais.
b)    O autor preocupa-se com a linguagem bem selecionada e expressiva.
c)     Há a presença do enfoque da problemática da seca e da vida nordestina.
d)    O ambiente é apenas um pano de fundo para a ação dos personagens, é motivação para a escritura.
e)     Quanto à forma de narrar, o texto mantém uma aproximação maior do Romantismo do que do Realismo/Naturalismo.

4 – Assinale a opção indicadora das obras cuja temática é a mesma que a do texto lido:
a)     Gabriela Cravo e Canela e São Bernardo.
b)    Vidas secas e O Quinze.
c)     Menino de Engenho e Fogo Morto.
d)    Jubiabá e Caetés.
e)     Usina e Banguê.


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