domingo, 26 de abril de 2020

POEMA: A VOLTA DA MULHER MORENA - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

Poema: A VOLTA DA MULHER MORENA
          
    Vinícius de Moraes

Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.


Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!

                                                            Vinícius de Moraes
Entendendo o poema:

01 – Em relação à mulher, nesse poema, pode-se afirmar que:
a)   Ela representa o pecado e precisa ser eliminada para que o eu lírico encontre a paz.
b)   Ela é vista de maneira espiritualizada e idealizada.
c)   Ela é descrita como motivação do pecado, mas, apesar disso, o eu lírico mantém-se alheio a seus encantos.
d)   Ela é vista com naturalidade, e o desejo sexual não apresenta problema para o eu lírico.

02 – O título do poema é composto pelo substantivo “volta” que tem o sentido de regresso, por quê?
      Significa uma perturbação constante e fonte de perdição.

03 – O poeta usa um vocativo nos primeiros versos. Cite-o.
      “Meus amigos, meus irmãos...”.

04 – Por que o eu lírico pede aos seus amigos e irmãos que ceguem os olhos da mulher morena?
      Porque os olhos da mulher morena estão envolvendo-o e tirando-lhe o sono.

05 – Em relação à mulher, nesse poema, pode-se afirmar que:
a)   Ela representa o pecado e precisa ser eliminada para que o eu lírico encontre a paz.
b)   Ela é vista de maneira espiritualizada e idealizada.
c)   Ela é descrita como motivação do pecado, mas, apesar disso, o eu lírico mantém-se alheio a seus encantos.
d)   Ela é vista com maturidade, e o desejo sexual não apresenta problema para o eu lírico.

06 – Por que o eu lírico nomeia-a como “mulher morena”?
     Desta forma ela perde sua individualidade e constitui uma alegoria demoníaca levando o homem ao pecado.

07 – As imagens do corpo feminino são carregadas de fortes impressões sensoriais e sensuais. Cite algumas.
      Lábios maduros, úmidos e inquietos; olhos envolventes; peitos que sufocam à noite; braços lassos que são como raízes.

08 – Como a mulher morena hipnotiza o eu lírico?
      De forma que todas as partes abominadas do corpo tornam-se centro de atração, isto é, a personificação do pecado.






CONTO: SE A TERRA NÃO EXISTISSE, A GENTE PISAVA ONDE? RICARDO AZEVEDO - COM GABARITO

Conto: Se a terra não existisse, a gente pisava onde?
           
Ricardo Azevedo

   Tênis é de lona e borracha. Cueca é de pano e elástico. Caderno é de arame e folha de papel. Televisão é de plástico com uma antena em cima e uma tela na frente.
        Casa é feita de telhado, parede, piso, porta e janela. Vaca é de couro, chifre e quatro tetas pingando leite. Cachorro é um ônibus peludo cheio de pulgas. Ser humano é feito de carne, osso, coração e ideias na cabeça.
        E o mundo em que vivemos?
        O mundo é um monte de terra cercada de água por todos os lados.
        A água é o mar, o rio, o lago, a chuva, a poça, a lágrima e o cuspe.
        A terra é a terra mesmo.
        Tem gente que pensa que terra só serve para cavar buraco no chão, para ser hotel de minhoca, para enfiar poste de luz ou então para sujar o pé de lama em dia de chuva, mas não é nada disso.
        Se não fosse a terra, a gente pisava onde?
        Se não fosse a terra, a gente construía nossa casa onde?
        E as cidades? E as estradas? E os campinhos de futebol?
        Sem a terra a gente não ia jogar bola nunca mais!
        (...).
        Pensando bem, a terra é a coisa mais importante do mundo em que vivemos. Ela é o solo, o chão, a gleba, o piso, o porto, o lugar onde a gente fica em pé e constrói a vida.
        Para falar a verdade, a terra é uma espécie de mãe. A mãe de todos nós.
        De onde vêm as árvores para dar sombra e segurança? Da terra.
        De onde vêm as frutas para a gente chupar? Da terra.
        De onde vem a nascente do rio? E a flor? E o passarinho? E a onça? E a tartaruga? E a borboleta? E o macaco? E o besourinho? E todos os bichos do mundo inteiro menos os peixes e as estrelas-do-mar?
        Sem a terra, não ia ter nem milho, laranja, caqui, jabuticaba, banana, pera, uva, cacau, pitanga, mexerica, romã, maçã, abacate, melancia, abacaxi, nem amendoim nem nada.
        O mundo ia ser só um monte de coisa nenhuma cercado de água para todos os lados.
        Mas a terra tem seus truques. Ela não gosta de ser maltratada, não senhor!
        Quando fazem queimadas ou destroem o mato ou enchem o chão de lixo e porcaria a terra fica triste vira deserto, corpo árido, seco, estéril, que não dá mais nada.
        Ela, que era generosa, formosa, úmida, florida, risonha, fofa, macia, fértil, cheia de sombra, cheia de perfume, cheia de riachinhos, borboletas, besourinhos, bichinhos e bichões, de repente fica tão dura e rachada que só consegue inventar pó, areia e desolação.
        Se a terra fosse um deserto ia ter chão, mas como a gente ia ficar?

                                                     Ricardo Azevedo. In: Revista Nova Escola, ano 17, n° 149. São Paulo, Abril, janeiro/fevereiro/2002.
                                    Fonte: Português – De olho no futuro – 3° ano – Cassia Garcia de Souza / Lúcia Perez Mazzio – Quinteto Editorial. p. 112-16.
Entendendo o conto:

01 – O principal objetivo do texto é ressaltar a importância da terra ou promover a ideia de que a terra é algo sem valor?
      É ressaltar a importância da terra.

02 – Na sua opinião, as pessoas têm se preocupado em cuidar da terra? Justifique sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Que outro título você daria para esse texto?
      Resposta pessoal do aluno.

04 – Releia o seguinte trecho: “Ela é o solo, o chão, a gleba, o piso, o porto, o lugar onde a gente fica em pé e constrói a vida.”.
a)   A expressão destacada na frase pode ser substituída pela palavra nós. Reescreva o trecho fazendo essa substituição e realize as alterações necessárias.
Ela é o solo, o chão, a gleba, o piso, o porto, o lugar onde nós ficamos em pé e construímos a vida.

b)   Na sua opinião, a expressão a gente é mais usada na linguagem formal ou informal?
É mais usada na linguagem informal.

c)   Para você, por que o autor desse texto preferiu usar a gente no lugar de nós?
Provavelmente, o autor quis deixar o texto com uma linguagem mais simples e acessível para o leitor.

05 – Nesse texto o autor utilizou muitos pontos de interrogação. Você saberia explicar por que ele propõe tantos questionamentos?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Talvez para promover no leitor uma reflexão acerca dos cuidados que se deve ter com a terra.




PEÇA TEATRAL: CAVEIRINHA - LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO - COM GABARITO

PEÇA TEATRAL: Caveirinha
         
   Luís Francisco Carvalho Filho

        [São catorze salas, de catorze juízes, lado a lado, unidas por um longo corredor. As portas permanecem fechadas, para que o trança-trança não atrapalhe. As audiências são marcadas com intervalo de cinco minutos entre uma e outra. Há pressa, não há pontualidade. Os intimados aguardam a chamada num saguão apertado, onde uma sucessão de fileiras de bancos de madeira se organiza em um pequeno auditório. Carta precatória é um procedimento: o juiz faz a inquirição de alguém e remete o texto para o juiz de outro lugar. O juiz daqui não conhece o caso e, provavelmente, nunca mais vai ouvir falar no processo.]
        Juiz: Qual o seu nome?
        G...: G...
        Juiz: Dizem os autos do inquérito policial que o senhor, R... e T... deram causa à morte de L..., provocando, por negligência, um acidente de trabalho na Indústria de Farinha. Diz a Justiça Pública que a vítima no recebeu treinamento para trabalhar na máquina, tendo sido sugado pelos exaustores no terceiro dia de trabalho. A morte da vítima foi imediata, o corpo foi dilacerado. O senhor e R... são acusados de omissão. Nada fizeram para evitar o acidente, apesar de previsível. T... é acusado de contratar a vítima, sem treinamento, para a realização de um trabalho perigoso. O que o senhor tem a dizer sobre a denúncia? O senhor conheceu a vítima?
        G...: Não. Eu sou um dos proprietários da indústria e trabalho aqui, na cidade. Eu me dedico à área financeira. A indústria fica a cem quilômetros. Há uma gerência industrial, chefiada por um administrador habilitado e bastante experiente no ramo, que cuida justamente de toda essa parte técnica. Nós sempre seguimos as regras de prevenção do Ministério dos Acidentes. Não houve negligência.
        Juiz: O senhor presenciou os fatos?
        G...: Não.
        Juiz: O que o senhor sabe do acidente?
        G...: Eu fui informado pelo meu gerente, uma hora depois, por telefone.
        Juiz: O que ele disse?
        G...: Disse que a vítima havia sido imprudente, que tinha ingressado na área de ventilação da máquina, que é cercada por tapumes. Disse que o rapaz foi socorrido imediatamente, mas morreu a caminho do hospital, que já avisara a família e que estava providenciando o enterro. Ele não tinha autorização para entrar ali, não tinha nada para fazer ali. Ali só entram mecânicos. Há uma placa, na parede, avisando do perigo. A placa tem uma caveirinha vermelha desenhada.
        Juiz: Ele recebeu treinamento?
        G...: Sim. A máquina não é perigosa. O operário não mantém contato com nenhuma engrenagem capaz de ferir. É fácil de ser operada. Ela só é barulhenta e os operários usam um protetor de ouvido. O trabalhador recebeu instruções, foi advertido para não entrar naquele recinto.
        Juiz: Se o senhor é inocente, por que então o senhor acha que foi denunciado?
        G...: Eu não sei. Talvez preconceito. Meu advogado diz que é preconceito. Mas eu não sou um empresário poderoso, minha empresa é pequena.
        Juiz: [Ditando.] Que não presenciou os fatos descritos na denúncia e nega a acusação. Que alega ser inocente, vítima de preconceito contra o empresariado. Que o interrogando trabalha na cidade e cuida da parte financeira da firma. Que a indústria tem um gerente técnico, que é responsável. Que recebeu um telefonema do gerente e soube do acidente. Que a culpa foi da vítima e que havia uma placa vermelha com o desenho de uma caveira no local, indicando perigo, e que mesmo assim ele foi irresponsável e desobedeceu. [Para o réu.] Quanto tempo durou o treinamento?
        G...: Não há um treinamento específico, porque eles não lidam com a parte mecânica da máquina, o senhor entende? Ele simplesmente jogava espigas de milho e mandioca no funil da máquina. Sem risco.
        Juiz: Mas quanto tempo durou o treinamento?
        G...: É imediato. Não há necessidade de cursos ou de aprendizados mais complexos.
        Juiz: Ele teve aulas?
        G...: Não, aulas não. Não precisava...
        Juiz: Ele já trabalhou na máquina no primeiro dia?
        G...: Sim, como todos os outros. Os novos empregados observam os companheiros antigos, começam ajudando, e começam a trabalhar. Não há perigo. Nunca houve um acidente.
        Juiz: Alguém tentou detê-lo?
        G...: Não, ninguém; olha, ninguém viu ele entrar naquela sala.
      Juiz: [Ditando.] Que o aprendizado da vítima foi imediato, sem preleções. Que os trabalhadores da indústria trabalham nas máquinas, já no primeiro dia de emprego, fáceis de ser operadas. Que os operários observam como os outros fazem e começam logo a trabalhar. Que a vítima só jogava milho e mandioca no funil e não corria riscos. Que a máquina é barulhenta e os operários usam fones de ouvido. Que a vítima não deveria estar naquele local e que ninguém o impediu. [Para o réu.] A vítima foi socorrida?
        G...: Sim, ele foi levado para o hospital, mas já estava morto.
        Juiz: Conhece os outros réus?
        G...: Sim. R... é meu sócio, cuida da parte comercial, e T... é o gerente da indústria.
        Juiz: Conhece as testemunhas do promotor?
        G...: Não.
      Juiz: [Ditando.] Que a vítima morreu a caminho do hospital. Que conhece os co-réus, sendo R... o seu sócio e T... o gerente. Que nada tem para alegar contra as testemunhas. Que sai ciente do prazo de três dias para defesa prévia e de que não pode mudar de endereço sem comunicar ao juízo deprecante, saindo também ciente da data da audiência. Nada mais...
        [O juiz é surpreendido pela intervenção.]
        Advogado: Excelência, eu sei que o advogado não pode interferir no interrogatório, nem é essa a minha intenção, mas eu gostaria, pela ordem, que alguns esclarecimentos do réu ficassem consignados no termo.
        Juiz: O senhor não pode interferir mesmo. Mas faltou alguma coisa? O quê? O réu não reclamou de nada.
        Advogado: É papel do advogado reclamar... O réu informou a Vossa Excelência que recebeu a notícia do acidente por um telefonema de seu gerente industrial. No termo ficou constatado que o réu “soube do acidente”. Eu peço...
        Juiz: Olha, eu não vejo nenhum erro no meu termo. Ele não presenciou o acidente. Não é? Ele ouviu falar do acidente, ele soube por telefone. Está certo? Qual o problema?
        Advogado: Excelência, tal como está no termo, o réu aparenta uma certa indiferença em relação aos fatos. Mas ele foi informado imediatamente, cobrou providências... Ele não ouviu dizer, ele foi informado, percebe? Tal como está escrito, parece que o réu reagiu com indiferença à notícia da tragédia. Não é o senhor quem julgará a causa. O juiz do caso pode fazer uma interpretação desfavorável do interrogatório. Correto?
        Juiz: Está bem. [Ditando.] Dada a palavra ao defensor, foi dito que ficasse consignado que o réu informou a esse juízo que soube do acidente, por um telefonema do co-réu T..., que já havia tomado todas as providências. – Está bem assim, doutor?
        Advogado: Obrigado, Excelência. É um detalhe, mas o réu informou que os operários usam “protetores de ouvido”. No termo ficou constando que eles usam “fones de ouvido”. São coisas diferentes...
        Juiz: Olha, doutor, eu me lembro muito bem, ele falou “fone de ouvido”. Não posso admitir que o senhor conduza o interrogatório. O que o senhor disse?
        G...: Eu disse que os operários usam “protetores de ouvido”, é um equipamento exigido pela legislação.
        Juiz: É “protetor”, é? O senhor falou “fone de ouvido”. Eu me lembro.
        G...: Não, eu disse “protetor”. Tenho certeza.
        Juiz: [Ditando] Que a vítima usava protetor de ouvido e não fone de ouvido, como constou acima.
        Advogado: Excelência, eu gostaria ainda que ficasse esclarecido que ninguém, na indústria, percebeu que a vítima entrou no recinto proibido antes do acidente.
        Juiz: Ah, ele não falou isso.
    Advogado: Excelência, quando o acusado respondeu a pergunta do senhor, informando que ninguém deteve a vítima, ele disse que ninguém na fábrica viu a vítima entra no local. Assim, ninguém poderia detê-la. Não é? O termo está incompleto.
        Juiz: Ele não disse isso, doutor. O senhor sabe que eu fui gentil. Eu permiti sua atuação. O senhor sabe, a lei não permite interferências da defesa e da acusação no interrogatório, mas o senhor vem e abusa. Assim, não dá. O senhor não pode induzir as palavras do interrogado.
        Advogado: Eu não induzi o réu a nada, Excelência. Eu não admito... Olha, eu agradeço a sua tolerância, eu... Eu gostaria de lembrar que o interrogatório é um ato de defesa do réu, que a palavra do réu não pode ser censurada e que tudo deve ser transcrito da maneira mais fiel possível. Eu sugiro que o senhor pergunte ao réu sobre o que ele disse realmente e se Vossa Excelência desejar, pode também consignar minha interferência.
        Juiz: O senhor não disse isso, disse?
        G...: Disse sim. Ninguém da indústria viu quando ele entrou no local do acidente.
        Juiz: [Ditando.] Que após interferência do advogado de defesa, o réu informou que havia dito que ninguém na empresa viu a vítima entrar na sala onde veio a falecer, referência esta não ouvida antes por este juízo. [Para a escrevente.] Chega, vamos encerrar este termo...
                             CARVALHO FILHO, Luís Francisco. Nada mais dito nem perguntado. São Paulo, Editora 34, 2001. p. 41-6.
Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 96-102.
Entendendo o texto:

01 – O texto lido, criado por um escritor, é a reprodução de uma audiência em que o juiz interroga o réu. Apresenta características de um texto de teatro. Que características são essas?
      Rubricas; falas de personagens, sem narrador.

02 – Apesar de ser ficcional, o texto parece extremamente realista, saindo diretamente dos tribunais. Justifique essa afirmativa.
      O autor, advogado criminalista, consegue transpor para a linguagem escrita os diálogos e os termos jurídicos com uma fidelidade incrível. Parece que o texto tem autonomia, é quase transcrição de algo gravado.

03 – Qual é o objetivo do primeiro parágrafo eu está entre colchetes?
      Descrever o ambiente do fórum onde se passa a audiência a ser relatada e explicar o procedimento adotado, que é uma carta precatória.

04 – O procedimento relatado é uma carta precatória, isto é, o juiz faz o interrogatório e remete o texto para um juiz de outro lugar, que fará o julgamento. Sendo assim, como deve ser a linguagem utilizada?
      A linguagem deve ser objetiva, precisa e extremamente fiel ao que foi dito no interrogatório.

05 – No texto, foram empregados dois tipos de discurso: o direto e o indireto. Em que situação foi empregada cada uma dessas formas de discurso?
      Discurso direto: no diálogo entre o juiz e o réu e entre o juiz e o advogado.
      Discurso indireto: nas passagens em que o juiz reproduz para a escrevente o que o réu falou.

06 – “Não houve negligência.” O que o réu quer dizer com essa afirmativa?
      Não houve descuido, desleixo, desatenção.

07 – Segundo o réu, qual foi a causa da morte da vítima?
      Imprudência: a pessoa entrou em lugar cercado por tapumes com aviso de perigo na parede.

08 – No texto, o juiz, ao ditar para a escrevente, começa as frases com que. É, em geral, dessa maneira que juízes e delegados relatam depoimentos. Como se pode explicar esse uso?
      O juiz está empregando o discurso indireto ao ditar para a escrevente. O emprego do que pressupõe um texto anterior: O réu afirmou / relatou / disse... Como essa frase introdutória é óbvia no contexto, o juiz a suprime.

09 – O advogado do réu interfere no interrogatório três vezes. Você concorda com as observações que ele faz? Justifique sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno.

10 – A linguagem com que o advogado se dirige ao juiz é bastante formal e mesmo cerimoniosa. Que pronome o advogado emprega que revela esse nível formal de linguagem?
      Os pronomes de tratamento Excelência e Vossa Excelência.

11 – Na última fala do advogado, há um período que justifica muito bem a razão de suas interferências no interrogatório. Transcreva-o.
      “Eu gostaria de lembrar que o interrogatório é um ato de defesa do réu, que a palavra do réu não pode ser censurada e que tudo deve ser transcrito da maneira mais fiel possível.”

12 – Releia o primeiro trecho que o juiz dita para a escrevente. Compare-o com as falas do réu. Que declarações foram omitidas ou alteradas pelo juiz, além do que foi observado pelo advogado?
      O juiz omitiu que a indústria ficava a cem quilômetros da cidade, onde o réu trabalhava. Não disse que o administrador era habilitado e bastante experiente no ramo, mas simplesmente que ele era responsável. Mandou escrever que a vítima foi irresponsável e desobedeceu o aviso de perigo; o réu só dissera que a vítima tinha sido imprudente. O aviso, segundo o réu, era uma placa com uma caveirinha vermelha; de acordo com o juiz, havia uma placa vermelha com uma caveira.

13 – Caveirinha, no texto, significa perigo. Por que o texto se chama “Caveirinha”? Quem é que corre perigo, nesse caso?
      O réu corre perigo porque pode sofrer injustiça devido à interpretação que o juiz faz de suas afirmações. 



sábado, 25 de abril de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): SINA - DJAVAN - COM GABARITO

Música(Atividades): Sina
                                                                                     Djavan

Pai e mãe, ouro de mina
Coração, desejo e sina
Tudo mais, pura rotina, jazz
Tocarei seu nome pra poder falar de amor

Minha princesa, art-nouveau
Da natureza, tudo o mais
Pura beleza, jazz

A luz de um grande prazer
É irremediável neon
Quando o grito do prazer
Açoitar o ar, réveillon

O luar, estrela do mar
O sol e o dom
Quiçá, um dia, a fúria desse front
Virá lapidar o sonho
Até gerar o som
Como querer Caetanear
O que há de bom.
                                               Composição: Djavan
Entendendo a canção:

01 – Qual é o tema da canção?
      Fala de um cotidiano amoroso.

02 – A palavra “lapidar” é usada como metáfora incorporando qual significado?
      O significado de “construir”, “proporcionar”.

03 – O autor usa as palavras “quiçá” e “front”. Quais os significados, respectivamente?
      Quiçá: significa “quem sabe”.
      Front: significa “frente de batalha”.

04 – Nesta canção existe alguns estrangeirismos (palavras vindas de outros idiomas). Cite-os.
      Jazz, art-nouveau, neon, réveillon e front.

05 – Também encontramos um neologismo nesta canção. Qual?
      Caetanear – que provém do nome do compositor brasileiro Caetano Veloso, tendo o significado de “compor como Caetano”, usando desta maneira como uma homenagem.

06 – De que sina o autor se refere?
      Do destino, da sorte, enfim mescla a complexidade com metáforas.


POEMA: CASO COMPLICADO (SOBRE CONSUMISMO) - CARLOS QUEIROZ TELLES - COM GABARITO

Poema: Caso complicado
           
                                                               Carlos Queiroz Telles

Essa história de dinheiro
é um caso complicado...
O que se ganha é contado,
pedido, sofrido, suado.
O que se gasta, porém,
nem sempre é o precisado.

Tudo e todos nos ensinam
a gastar, gastar, gastar.
Compre isso, compre aquilo,
compre vida, compre amor...
A gente acaba querendo
o que quer e o que não quer,
o necessário e o inútil,
o falso e o verdadeiro,
como se o tal dinheiro
caísse em penca do céu.

Mas não cai... e aí começa
a maior das chateações.
Vontades que não tem jeito,
invejas de fazer medo,
desejos que não se entendem,
sonhos de sonhos desfeitos.
O que fica é uma vontade eterna
de querer mais
e uma tristeza sem graça
de não ser o que se é.

Essa história de dinheiro
é um caso complicado...
Será que a vida ensina
o que fazer para encontrar
o tal mapa da mina?
Carlos Queiroz Telles. Sonhos, grilos e paixões, cit.,p.25.
                 Fonte: Livro- PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 7ª Série – Atual Editora -1998 – p.150
Entendendo o poema:
01 – De que se trata o poema?
       Faz uma abordagem sobre o consumismo.

02 – Nos versos: “... como se o tal dinheiro / caísse em penca do céu.” Que figura de linguagem há nestes versos?
      Hipérbole – ênfase expressiva de exagero “penca”.

03 – Por que existem tantos produtos descartáveis?
      Pela praticidade, baixo custo, muitos modelos, variedades de cores, fácil descarte, não há perdas de tempo com limpeza, etc.

04 – Em que versos podemos encontrar a figura de linguagem personificação?
      Nos versos: “... e uma tristeza sem graça / de não ser o que se é.”

05 – O título do poema motiva a leitura?
      Sim, pois chama a atenção para alguma coisa complicada.

06 – Há efeitos sonoros no poema? Quais?
      Nos versos: “O que se ganha é contado, / pedido, sofrido, suado.”. Aliteração (repetição de fonemas).
      Nos versos: “Compre isso, compre aquilo, / compre vida, compre amor...”. Anáfora (repetição de palavras ou expressões).



CONTO: A CARTOMANTE - MACHADO DE ASSIS - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: A Cartomante
       
             Machado de Assis

     Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de Novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.
        — Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
        — Errou! Interrompeu Camilo, rindo.
        — Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...
        Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...
        — Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.
        — Onde é a casa?
        — Aqui perto, na rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.
        Camilo riu outra vez:
        — Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.
        Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muito cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranquila e satisfeita.
        Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se, Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.
        Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.
        Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.
        — É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.
        Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vente e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
        Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.
        Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as cousas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam.
        Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.
        Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.
        Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.
        Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.
        — Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com a das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...
        Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.
        No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a notícia da véspera.
        — Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com os olhos no papel.
        Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando na pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a ideia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a ideia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.
        Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou então, — o que era ainda pior, — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. "Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Ditas, assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a ideia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.
        — Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...
        Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.
        Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar a primeira travessa, e ir por outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a ideia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça:
        — Anda! agora! empurra! vá! vá!
        Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras cousas; mas a voz do marido sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta: "Vem já, já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários; e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia..." Que perdia ele, se...?
        Deu por si na calçada, ao pé da porta; disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve ideia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para os telhados do fundo. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio.
        A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
        — Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...
        Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
        — E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...
        — A mim e a ela, explicou vivamente ele.
        A cartomante não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez as cartas e baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.
        — As cartas dizem-me...
        Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável mais cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.
        — A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.
        Esta levantou-se, rindo.
        — Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...
        E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse mão da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço.
        — Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?
        — Pergunte ao seu coração, respondeu ela.
        Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.
        — Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranquilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...
        A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.
        Tudo lhe parecia agora melhor, as outras cousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.
        — Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro.
        E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.
        A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável.
        Daí a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
        — Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?
        Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.
 ASSIS, Machado de. Contos. Sel. de Deomira Stefani. São Paulo, Ática, 1996. p. 91-8.
Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 182-192.
Entendendo o conto:

01 – Todo conto é uma narrativa e, como tal, apresenta personagens e enredo. Esses fatos acontecem num determinado lugar (espaço) e num determinado tempo.
a)   Quais são as personagens que aparecem nessa história? Qual é a relação entre eles?
Vilela e Rita – casados; Camilo – amante de Rita e amigo de infância de Vilela; e a cartomante.

b)   Resuma em poucas linhas o enredo do conto.
Resposta pessoal do aluno.

c)   Onde se passa a história?
Na cidade do Rio de Janeiro.

d)   Em que época?
Em 1869, isto é, segunda metade do século XIX.

02 – O que você entende da frase dita por Hamlet e mencionada no texto: “Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Há muitos mistérios na vida; a vida é muito mais do que podemos entender; nem tudo na vida é passível de nossa compreensão.

a)   Em que momentos do conto aparece essa citação?
No início e no momento em que Camilo esperava a cartomante.

b)   Na sua opinião, por que o autor escolheu essas situações para colocar a frase de Shakespeare?
A frase é a introdução do conto, pois todo o desenvolvimento e o desfecho nada mais são do que a comprovação dessa tese. Com isso o autor cria um certo clima de suspense. Na segunda situação, a frase aparece quando Camilo está muito angustiado; para aliviar-se, mesmo duvidando, recorre à cartomante.

03 – Quando uma pessoa não acredita em nada, diz-se que ela é cética. O ceticismo está bastante presente nos textos machadianos. Nesse conto, de que maneira aparece esse ceticismo?
      No conto, a cartomante é totalmente desacreditada.

04 – Em que linha do conto o leitor toma conhecimento de que Rita e Camilo são amantes? por quê?
      Linha 21. Porque Camilo faz referência a Vilela.

05 – No início do conto, o narrador limita-se a contar a história sem dar explicações. Em que linha o narrador começa a comentar as origens das personagens? Transcreva a frase que comprova sua resposta.
      Linha 52. “Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela.”

06 – Descreva física e psicologicamente o triângulo amoroso do conto.
      Rita: 30 anos, formosa, graciosa, olhos astutos, boca fina e interrogativa, viva nos gestos, mas torta.
      Vilela: advogado, 29 anos, porte grave, parecia mais velho do que Rita.
      Camilo: 26 anos, ingênuo, faltava-lhe experiência e intuição.

07 – Quem, segundo o narrador, é o responsável pela continuidade do envolvimento de Rita e Camilo?
      Rita.

a)   Que comparação ele utiliza para se referir ao comportamento de Rita?
Compara-a a uma serpente que estala os ossos de Camilo e pinga-lhe veneno na boca.

b)   Qual é sua opinião sobre essa maneira de analisar o sexo feminino?
Resposta pessoal do aluno.

08 – Que fato desencadeia a mudança de comportamento de Camilo?
      A carta anônima que recebe.

09 – Ao receber o bilhete de Vilela, pedindo para ir à cada dele com urgência, Camilo ficou muito nervoso e anteviu todo o drama. A essa altura da história você achava que o final seria tão trágico? Justifique sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno.

10 – “Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.” (Linha 187).
a)   A que o narrador se refere?
O narrador se refere à casa da cartomante.

b)   Por que ele emprega o adjetivo indiferente?
Todas as janelas das outras casas estão abertas, cheias de curiosos vendo o acidente, exceto as da cartomante, que parece estar alheia a tudo. Camilo pensa também em seu destino, que continua uma incógnita.

11 – A angústia de Camilo aumentava a cada instante. Enquanto andava de tílburi, que detalhe contribuiu para aumentar mais o seu desespero?
      O trote do cavalo.

12 – O conflito interno por que passou Camilo, antes de decidir-se a entrar na casa da cartomante, acabou com uma impressão e duas lembranças. Que impressão e lembranças são essas?
      Impressão: a casa da cartomante parecia olhar para ele.
      Lembranças: os casos que a mãe contava e a frase de Hamlet.

13 – “... mistério empolgava-o com as unhas de ferro”.
a)   Que figuras de linguagem estão presentes nessa frase?
Metáfora: unhas de ferro; Antítese: empolgar com garras de ferro.

b)   Como você relaciona essa frase com o que Camilo sentia naquele momento?
Essa antítese é reveladora do conflito que vivenciava: ficava animado com as palavras da cartomante e ao mesmo tempo antevia o drama.

c)   Que frase do parágrafo seguinte reforça esse conflito de Camilo?
“O coração ia alegre e impaciente”.