terça-feira, 7 de abril de 2020

CONTO: O IRMÃO DE PINÓQUIO - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

Conto: O irmão de Pinóquio
                    
                    Monteiro Lobato

        Enquanto lá na floresta Pedrinho pensava no melhor meio de vingar-se da boneca, Narizinho resolvia dar um passeio pelo pomar. Costumava fazer isso nas tardes agradáveis, sempre em companhia da sua companheira. Naquele dia, porém, Emília fez luxo.
        — Não posso hoje — disse mostrando o cavalinho. – Estou ensinando o ABC a este analfabeto, que anda com vontade de ler a história do Pégaso, do Bucéfalo, do cavalo de Tróia e outras “cavalências” célebres.
        Narizinho não gostava de passear só, por isso correu os olhos pela sala em procura de algum outro companheiro. Só viu o triste irmão de Pinóquio, que Pedrinho havia jogado para cima do armário.
        — Coitado! — exclamou. — Porque é feio como o Diogo e morto como um defunto, ninguém faz conta dele. Vou levá-lo comigo.
        Talvez que os ares do ribeirão lhe façam bem.
        Pescou-o de cima do armário com o cabo da vassoura e lá se foi com ele ao pomar, rumo do ribeirão, onde havia aquele velho pé de ingá de enormes raízes de fora. Sentou-se na “sua raiz” (havia outra de Pedrinho e outra do Visconde), recostou a cabeça no tronco e cerrou os olhos, porque o mundo ficava três vezes mais bonito quando cerrava os olhos. De todos os lugares que ela conhecia era aquele o mais gostado. Fora ali que vira pela primeira vez o príncipe das Águas Claras, e era ali que costumava pensar na vida, resolver seus problemazinhos e sonhar castelos.
        O sol ia descambando no horizonte (“horizonte” era o nome do morro atrás do qual o sol costumava esconder-se) e seus últimos raios vinham brincar de acende-e-apaga brilhinhos na correnteza. Volta e meia um lambari prateava o ar com um pulo.
        De repente Narizinho ouviu um bocejo — ahhh! Olhou… Era Faz-de-conta que se espreguiçava, como quem sai de um longo sono.
        Achando aquilo a coisa mais natural do mundo, a menina apenas disse:
        — Ora graças! eu tinha certeza de que os ares do ribeirão fariam você mudar.
        — Eu sou sempre o mesmo — respondeu o boneco. — Não mudei. Não mudo nunca. Quem muda são vocês, criaturas humanas. Você mudou, Narizinho.
        — Como isso? — exclamou a menina franzindo a testa. – Estou no que sempre fui…
        — Parece. Tanto mudou que está entendendo a minha linguagem e vai ver coisa que sempre existiu neste sítio e no entanto você nunca viu. Olhe lá!
        A menina olhou para onde ele apontava e realmente viu um bando de lindas criaturas, envoltas em véus de finíssima tule, dançando por entre as árvores do pomar. No meio delas estava um ente estranho, de orelhas bicudas como as de Mefistófeles, dois chifrinhos na testa e cauda de bode. Soprava músicas numa flauta de Pã, isto é, numa flauta feita de canudos incões, tal qual a casa de barro que umas vespas chamadas “Nhá Inacinhas” haviam feito na parede do fundo da casa de dona Benta.
        — Oh! — exclamou a menina recordando-se. — Ainda ontem vi num dos livros de vovó uma gravura com uma cena igualzinha a esta. São as ninfas do bosque e o homem é um fauno.
        Apesar de ter falado baixo, as dançarinas ouviram aquelas palavras e, não se sabe por que, fugiram numa corrida louca em todas as direções. O fauno até deixou cair a sua flauta.
        — É minha agora! — gritou Narizinho correndo a apanhá-la.
        — Ganhei uma flauta de Pã!…
        Mas, ai! Agarrou a flauta com tanta força que a moeu, porque era de barro e estava cheia de vespas, que voaram numa grande aflição atrás das ninfas. Só ficou uma, presa entre o polegar e o fura bolos da menina.
        — Que vespa esquisita! — exclamou ela, examinando atentamente a prisioneira. — Parece uma velhinha coroca.
        — Hein? — murmurou Faz-de-conta chegando e olhando. – Estou reconhecendo esta vespa. Quando o tronco de pau de que fiz parte era árvore viva, cheia de flores cada mês de setembro, muitas vezes a vi lá em nossos galhos. Desconfio que é uma fadazinha disfarçada em vespa.
        — Se é fada — disse a menina duvidando — por que não fugiu com as outras e deixou que eu a pegasse?
        — Porque queria conversar com você — respondeu a vespa.
        A menina arregalou os olhos tomada de grande alegria.
        — É fada mesmo, Faz-de-conta! E das que falam, porque há umas que só fazem tlim, tlim, tlim, como aquela fada Sininho que gostava de Peter Pan. Que pena Pedrinho e Emília não estarem aqui. Vão ficar danados de eu ter visto fadas antes deles.
        A vespa-fada contou-lhe sua vida desde que nasceu e disse que já de muitos anos andava a correr mundo atrás de um alfinete mágico sem o qual não poderia ser, bem, bem, bem, fada das que podem tudo e viram uma coisa noutra. Esse alfinete era uma varinha de condão das mais poderosas, que andava perdida entre os mortais. Ao ouvir aquilo o coração da menina pulou dentro do peito. Lembrou-se logo do alfinete que tia Nastácia havia dado à boneca e imaginou que talvez fosse o tal alfinete mágico. Para certificar-se indagou…
        — Não era um alfinete de pombinha carijó?
        — Isso mesmo! Como sabe? — exclamou a fada, admiradíssima.
        Narizinho viu que havia feito asneira dizendo aquilo, pois a vespa poderia tomar o alfinete da boneca, impedindo-a de vir a ser uma famosa fada de pano — coisa que nunca existiu. Quis remendar a imprudência e disse:
        — Sonhei. Sonhei a noite passada com um alfinete assim, isto é, mais ou menos assim. Não era de pombinha, não, agora me lembro. Era de galo ou bicho parecido. Como a senhora sabe, os sonhos são sempre atrapalhados.
        — Mais atrapalhadas são as mentiras de nariz arrebitado! — disse a vespa, fugindo da mão da menina e indo pousar num galho de árvore. — Estou vendo que você sabe onde está o alfinete e não quer me contar.
        Faz-de-conta chegou-se ao ouvido da menina e cochichou:
        — Não caia nessa! Não conte! Você lá sabe se ela merece? Com fadas é preciso muita cautela, porque se algumas são anjos de bondade, outras são más como bruxas.
        — Estou ouvindo tudo! — disse a vespa lá do galho. — E para castigo vou dar uma ferroada bem venenosa na ponta do nariz dessa menina má. Esperem aí!…
        E começou a inchar, a inchar, até ficar do tamanho duma enorme aranha caranguejeira. E arreganhou os terríveis ferrões e lançou-se contra a menina.
        — Acuda, Faz-de-conta! — berrou Narizinho fechando os olhos.
        Ela sabia que o melhor meio de escapar dos grandes perigos era fechar os olhos, bem fechados, como a gente faz nos sonhos quando sonha que está caindo num precipício.
        De um pulo Faz-de-conta colocou-se entre a vespa e a menina, pronto para sacrificar a vida em sua defesa. O boneco era feio, mas tinha a alma heroica. E como estivesse desarmado, puxou do prego que prendia sua cabeça ao corpo, como quem puxa duma espada e investiu contra a vespa. Ao fazer isso, porém, sua cabeça caiu por terra, rolou morro abaixo e foi mergulhar — tchibum! — no ribeirão.
        A vespa assustou-se ao ver tão estranha criatura avançar para ela de prego em punho e sem cabeça. Assustou-se e — zunn! – desapareceu no ar…
        — Pronto? — perguntou a menina sempre de olhos fechados.
        Ninguém respondeu.
        — Ela ainda está aí? — perguntou de novo.
        Ninguém respondeu.
        Narizinho foi então entreabrindo os olhos, com muito medo, e afinal abriu-os de todo. Mas deu um grito de horror, ao ver o boneco na sua frente, de prego na mão e sem cabeça.
        — Que é isso, Faz-de-conta? Que fim levou sua cabeça?
        O boneco está claro que nada respondeu. Só tinha boca e ouvidos na cabeça e como a cabeça rolara morro abaixo não podia ouvi-la nem responder.
        — E agora? — disse consigo a menina. — Este lugar me parece muito perigoso, e sem auxílio de Faz-de-conta podem me acontecer grandes desgraças. Se ao menos houvesse aqui por perto alguma casinha…
         Olhou em redor e viu não muito longe uma fumaça. “Deve ser casa”, pensou, e correu para lá. Era casa, sim, a mais linda casa que ela viu em toda a sua vida, com trepadeiras na frente e duas janelas de venezianas verdinhas.
        A menina bateu — toc, toc, toc…
        — Entre quem é! — gritou de lá dentro uma voz.
        Narizinho abriu e entrou e deu um grito de alegria.
        — Capinha! Que felicidade encontrar-te aqui!
        — E a minha felicidade de receber tua visita ainda é maior, Narizinho! Há quanto tempo te espero!…
        Abraçaram-se e beijaram-se e ficaram de mãos presas e os olhos postos uma na outra. Era ali a casa da Menina da Capinha Vermelha, cuja avó havia sido devorada pelo lobo. Capinha já tinha estado no sítio de dona Benta no dia da recepção dos príncipes encantados e ficara gostando muito de Narizinho e Emília, tendo-as convidado para virem passar uns dias com ela.
        — Mas por que não me avisaste da tua visita, Narizinho?
        — É que cheguei aqui por acaso. Vi-me só na floresta, depois que meu guia perdeu a cabeça, e não sei o que seria de mim se não fosse a fumacinha de tua casa, que vi de longe. E vim correndo, mas sem saber quem morava aqui.
         Narizinho contou então tudo o que lhe havia acontecido e a terrível desgraça que sucedera a Faz-de-conta.
        — Que coincidência! — exclamou Capinha. — Não faz minutos eu estava tomando banho no ribeirão e um objeto, feito castanha de caju veio rolando pela água abaixo até esbarrar em mim. Peguei-o, olhei e vi que era uma cabeça, com boca, nariz e tudo. Quem sabe se não é a cabeça de Faz-de-conta? Está guardada no bolso do meu avental.
        Foi lá dentro e trouxe a cabeça.
        — É essa mesma! — exclamou Narizinho satisfeitíssima daquele inesperado e feliz desenlace. — Vou consertar o meu João, já, já.
        Foi um instante. Em meio minuto a cabeça do boneco estava outra vez no lugar e ele em condições de falar e contar tudo o que acontecera enquanto a menina estivera de olhos fechados. Quando Faz-de-conta concluiu a narrativa, Capinha suspirou e disse:
        — Quem me dera ter um companheiro leal e valente como este! Vivo tão sozinha nestas solidões…
        Narizinho prometeu que viria visitá-la sempre que pudesse.
        — E não deixe de trazer a Emília. Gostei muito dela.
        Narizinho contou-lhe, então, em grande segredo para que alguma vespa escondida por ali não pudesse ouvir, que a boneca estava na posse do alfinete de pombinha, que era uma vara de condão e poderia, portanto, de um momento para outro, virar uma poderosa fada — e uma fada que nunca existiu no mundo: a Fada de Pano.
        — Pois ela que se transforme e apareça por aqui para brincarmos de virar.
        Nisto surgiu João Faz-de-conta, que tinha saído para o terreiro a fim de refrescar a cabeça. Vinha muito alegre, dizendo:
        — Adivinhem quem passou por aqui! Peter Pan. Conversou comigo meio minuto e lá se foi, voando, para a Terra do Nunca, onde mora. Disse que qualquer dia aparece no sítio de dona Benta para brincar com Pedrinho.
        — Que pena não ter portado um minuto para tomar café conosco! — exclamou Capinha. — Ele sempre me visita e gosto muito dele.
        Narizinho, que já conhecia Peter Pan, fez várias perguntas a respeito desse extraordinário “menino que jamais quis ser gente grande” e de sua inseparável companheira, a fada Sininho. E ainda estava a ouvir histórias dele, quando Faz-de-conta deu um berro de desespero, apontando para a estranha figura que acabava de pular a cerca do quintal com uma enorme faca de matar mulher na mão.
        — Feche os olhos, Narizinho! — gritou ele. — Barba Azul vem vindo!…
        A menina, para salvar-se fechou os olhos com quanta força teve…

LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Pica-pau Amarelo vol. I. 

Entendendo o conto:

01 – Quais são as personagens deste conto?
      Sininho, Narizinho, Faz-de-conta, Barba Azul, Peter Pan, Capinha, dona Benta, tia Nastácia, Pedrinho, Emília.

02 – Em relação à estrutura textual do conto:
a)   Quantos parágrafos tem o conto?
Setenta e dois parágrafos.

b)   Narrador: (X) participada história.
                 (   ) Conta os fatos sem participar da história.

c)   Em relação ao discurso das personagens:
Presença de discurso: (X) direto.
                                      (   ) indireto.

d)   Qual é a tipologia predominante no conto?
(X) narrativa.
(   ) argumentativa.
(   ) descritiva.

03 – Onde ocorreram os fatos?
      No pomar, no ribeirão, na casa da menina de Capinha Vermelha.

04 – Quem é a personagem principal?
      Narizinho.

05 – Dentro deste tipo textual (conto) há que narrador?
(   ) Narrador-observador.
(X) Narrador-personagem.
(   ) Narrador-onisciente.

06 – Que fato provocou o desenrolar dos acontecimentos descritos no conto?
      O fato de irmão do Pinóquio, Faz-de-Conta ter despertado de um longo sono e falado com Narizinho.

07 – Em que personagem do conto ocorre o clímax, ou seja, o momento de maior tensão da história? Explique.
      Quando Faz-de-Conta deu um pulo e colocou-se entre a vespa e a menina, pronto para sacrificar a vida, tirando um prego que prendia sua cabeça ao corpo, investindo contra a vespa, e sua cabeça rolou morro abaixo.

08 – Qual o desfecho (epílogo ou conclusão) da história?
      Narizinho foi na casa da Capinha Vermelha e, ela tinha achado a cabeça do Faz-de-Conta.

09 – Agora você resuma os fatos que compõem a ação narrada.
      Resposta pessoal do aluno.


segunda-feira, 6 de abril de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): PAIXÃO - KLEITON E KLEDIR - NA INTERPRETAÇÃO DA CANTORA SIMONE - COM QUESTÕES GABARITADAS

Música(Atividades): Paixão


                                                                  SIMONE

            
Amo tua voz e tua cor
E teu jeito de fazer amor
Revirando os olhos e o tapete,
Suspirando em falsete
Coisas que eu nem sei contar.

Ser feliz é tudo que se quer!
Ah! Esse maldito fecho éclair
De repente, a gente rasga a roupa
E uma febre muito louca
Faz o corpo arrepiar.

Depois do terceiro ou quarto copo
Tudo que vier eu topo.
Tudo que vier, vem bem.
Quando bebo perco o juízo.
Não me responsabilizo
Nem por mim, nem por ninguém.

Não quero ficar na tua vida
Como uma paixão mal resolvida
Dessas que a gente tem ciúme
E se encharca de perfume,
Faz que tenta se matar.

Vou ficar até o fim do dia
Decorando tua geografia
E essa aventura
Em carne e osso
Deixa marcas no pescoço.
Faz a gente levitar.

Tens um não sei que de paraíso
E o corpo mais preciso
Que o mais lindo dos mortais.
Tens uma beleza infinita
E a boca mais bonita
Que a minha já tocou.

                                                            Composição: Kledir / Kleiton
Entendendo a canção:

01– “Suspirando em falsete / Coisas que eu nem sei contar”. Classifique morfologicamente o que do período acima.
      Conjunção coordenativa explicativa.

02 – Quanto à estrutura do texto:
a)   Quantas estrofes tem o texto? Como são estruturadas?
Tem seis estrofes. É composta por versos e estrofes.

b)   Qual o esquema de rimas?
O esquema é aabb – trata-se de rimas emparelhadas.

03 – Marque os recursos empregados no texto que o caracterizam como poético:
a)   (   ) O fato de ser assinado por um poeta.
b)   (X) Rimas, estrofes, linguagem figurada.
c)   (   ) Descrição, rimas, diálogos e ação de personagem.

04 – Qual é o tema abordado na canção?
      O eu lírico está apaixonado e descreve o quanto é feliz com sua (eu) amada (o).

05 – O eu lírico conta algo que:
a)   (X) Está acontecendo no presente.
b)   (   ) Aconteceu em um passado bem próximo.
c)   (   ) Aconteceu num passado distante.
d)   (   ) Acontecerá num futuro bem próximo.

06 – Encontre na canção um verso que confirme sua resposta da pergunta n° 5.
      “Amo tua voz e tua cor...”.

07 – Você acha que quando estamos apaixonados, alguma coisa muda na nossa vida? Explique.
      Resposta pessoal do aluno.

08 – Reescreva o verso abaixo, substituindo a palavra grifada por um sinônimo.
      “Ah! Esse maldito fecho éclair”.
      “Ah! Esse maldito zíper”.



MENSAGEM ESPÍRITA: VALEI-VOS DA LUZ - PARA REFLEXÃO

Mensagem:Valei-vos da luz

“Andai enquanto tendes a luz, para que as trevas não vos apanhem.” – Jesus. (João, 12:35.)
    O homem de meditação encontrará pensamentos divinos, analisando o passado e o futuro.
     Ver-se-á colocado entre duas eternidades – a dos dias que se foram e a que lhe acena do porvir.
Examinando os tesouros do presente, descobrirá suas oportunidades preciosas.
     No futuro, antevê a bendita luz da imortalidade, enquanto que no pretérito se localizam as trevas da ignorância, dos erros praticados, das experiências mal vividas. Esmagadora maioria de personalidades humanas não possui outra paisagem, com respeito ao passado próximo ou remoto, senão essa constituída de ruína e desencanto, compelindo-as a revalorizar os recursos em mão.
    A vida humana, pois, apesar de transitória, é a chama que vos coloca em contacto com o serviço de que necessitais para a ascensão justa. Nesse abençoado ensejo, é possível resgatar, corrigir, aprender, ganhar, conquistar, reunir, reconciliar e enriquecer-se no Senhor.
    Refleti na observação do Mestre e apreender-lhe-eis o luminoso sentido. Andai enquanto tendes a luz, disse Ele.
Aproveitai a dádiva de tempo recebida, no trabalho edificante.
  Afastai-vos da condição inferior, adquirindo mais alto entendimento.
   Sem os característicos de melhoria e aprimoramento no ato de marcha, sereis dominados pelas trevas, isto é, anulareis vossa oportunidade santa, tornando aos impulsos menos dignos e regressando, em seguida à morte do corpo, ao mesmo sítio de sombras, de onde emergistes para vencer novos degraus na sublime montanha da vida.

CRÔNICA: PERDE O GATO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Crônica: Perde o gato
               Carlos Drummond de Andrade

        Um jornal é lido por muita gente, em muitos lugares; o que ele diz precisa interessar, senão a todos, pelo menos a um certo número de pessoas. Mas o que me brota espontaneamente da máquina, hoje, não interessa a ninguém, salvo a mim mesmo. O leitor, portanto, faça o obséquio de mudar de coluna. Trata-se de um gato.
        Não é a primeira vez que o tomo para objeto de escrita. Há tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no encanto imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu e sua falta é mais importante para mim, do que as reformas do ministério.
        Gatos somem no Rio de Janeiro. Dizia-se que o fenômeno se relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros. Agora ouço dizer que se relaciona com a vida cara e a escassez de alimentos. À falta de uma fatia de vitela, há indivíduos que se consolam comendo carne de gato, caça tão esquiva quanto a outra.
        O fato sociológico ou econômico me escapa. Não é a sorte geral dos gatos que me preocupa. Concentro-me em Inácio, em seu destino não sabido.
        Eram duas da madrugada quando o pintor Reis Júnior, que passeia a essa hora com o seu cachimbo e o seu cão, me bateu à porta, noticioso. Em suas andanças, vira um gato cor de ouro como Inácio cor incomum em gatos comuns e se dispunha a ajudar-me na captura. Lá fomos sob o vento da praia, em seu encalço. E no lugar indicado, pequeno jardim fronteiro a um edifício, estava o gato. A luz não dava para identificá-lo, e ele se recusou à intimidade. Chamados afetuosos não o comoveram; tentativas de aproximação se frustraram. Ele fugia sempre, para voltar se nos via distantes. Amava.
        Seria iníquo apartá-lo do alvo de sua obstinada contemplação, a poucos metros. Desistimos. Se for Inácio, pensei dentro de um ou dois dias estará de volta. Não voltou.
        Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto preciso que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura. É o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não carece de suplemento de informação. Livros e papéis, beneficiam-se com a sua presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é símbolo e guardião da vida intelectual.
        Depois que sumiu Inácio, esses pedaços da casa se desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É extraordinário como o gato “funciona” em uma casa: em silêncio, indiferente, mas adesivo e cheio de personalidade. Se se agravar a mediocridade destas crônicas, os senhores estão avisados: é falta de Inácio. Se tinham alguma coisa aproveitável era a presença de Inácio a meu lado, sua crítica muda, através dos olhos de topázio que longamente me fitavam, aprovando algum trecho feliz, ou através do sono profundo, que antecipava a reação provável dos leitores.
        Poderia botar anúncio no jornal. Para quê? Ninguém está pensando em achar gatos. Se Inácio estiver vivo e não sequestrado, voltará sem explicações. É próprio do gato sair sem pedir licença, voltar sem dar satisfação. Se o roubaram, é homenagem a seu charme pessoal, misto de circunspeção e leveza; tratem-no bem, nesse caso, para justificar o roubo, e ainda porque maltratar animais é uma forma de desonestidade. Finalmente, se tiver de voltar, gostaria que o fizesse por conta própria, com suas patas; com a altivez, a serenidade e a elegância dos gatos.
                                                       Carlos Drummond de Andrade

Entendendo a crônica:

01 – Nessa crônica, Carlos Drummond de Andrade vale-se da metalinguagem e pede desculpas porque não está correspondendo a expectativa do leitor e porque ele ficaria frustrado?
      Porque escreve uma crônica falando do sumiço de seu gato.

02 – Como é próprio do gênero crônica, o autor vale-se de um fato cotidiano para fazer uma reflexão. Qual ideia ele elabora?
      Brota espontaneamente da máquina a ideia de falar do desaparecimento de Inácio e a falta que ele o faz.

03 – Então, qual o tema desenvolvido?
a)   Esperança X desilusão.
b)   Liberdade X controle.
c)   Ausência X presença.
d)   Tradição X modernidade.
e)   Íntimo X privado.

04 – Classifique a crônica que você acabou de ler em:
a)   Lírica poética.
b)   Humorista.
c)   Ensaística.

05 – Considerando o título e os dois primeiros parágrafos, qual é o tema da crônica?
      O tema é o amor do autor pelo seu gato.

06 – Qual frase resume o sentimento do autor sobre o desaparecimento de Inácio?
      “Mas Inácio desapareceu e sua falta é mais importante para mim, do que as reformas do ministério.”

07 – Quais são os possíveis motivos para o desaparecimento de gatos na cidade do Rio de Janeiro?
      Dizia-se que o fenômeno se relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros. E o outro motivo se relaciona com a vida cara e a escassez de alimentos.

08 – Qual é a relação da palavra que termina o parágrafo (amava) com o que foi dito antes?
      Que o gato Inácio amava os chamados afetuosos.

09 – Por que o autor e seu amigo desistiram da busca por Inácio?
      Porque o autor achava que se fosse Inácio dentro de um ou mais dias estaria de volta.

10 – O que você entende por “o gato é símbolo e guardião da vida intelectual?
      Resposta pessoal do aluno.

11 – Qual é a consequência da ausência de Inácio para a vida do autor e para o seu trabalho?
      Para o autor os lugares onde Inácio ficava na casa se desvalorizaram e para seu trabalho sua crítica muda.

12 – Como o último parágrafo contribui para construir o tom da crônica?
      No último parágrafo o autor usa uma linguagem simples e coloquial usando um tom mais informal.

13 – Nos parágrafos 5 e 7, o autor apresenta algumas características do gato Inácio. Cite-os:
      Parágrafo 5 – Afetuoso, amoroso, dourado, especial, arisco.
      Parágrafo 7 – Macio, silencioso, indiferente, crítico, intenso.

TEXTO: A FOME ESPREITA CADA VEZ MAIS PERTO - NELSON FRANCO JOBIM - COM GABARITO

Texto: A fome espreita cada vez mais perto
          
 Banco Mundial faz alerta alarmante a líderes reunidos em conferência da FAO
                                                      Nelson Franco Jobim

      LONDRES – O mundo atravessa uma crise na produção de alimentos e a humanidade corre o risco de enfrentar o “pesadelo inimaginável” de uma fome universal se não forem tomadas medidas urgentes, adverte um relatório do Banco Mundial a ser divulgado na conferência de cúpula mundial sobre alimentos, promovida pela Organização de Agricultura e Alimentos da Nações Unidas (FAO), que começa hoje em Roma.
        Ao fazer a previsão bombástica, os cientistas da maior agência de desenvolvimento do planeta admitem que o Banco Mundial agiu com “complacência” ao não dar mais ajuda à agricultura no passado recente. A ajuda ao desenvolvimento rural e à produção agrícola caiu em menos de uma década de US$ 6 bilhões para US$ 2,6 bilhões anuais. O relatório, revelado pelo jornal inglês The Independent on Sunday, marca uma mudança de posição do banco.
        A declaração final e o plano de ação já estão aprovados. São muito mais modestos que os sonhos de 1974, quando governos do mundo inteiro anunciaram em Roma que “dentro de uma década nenhuma criança irá dormir com fome, nenhuma família terá medo de não ter pão amanhã e o futuro e a capacidade de nenhum ser humano serão afetados pela desnutrição". A declaração deste ano admite que mais de 800 milhões de pessoas vão para a cama com fome todas as noites. Em 82 países, metade deles na África negra, a produção agrícola não basta para alimentar. O documento deve ser limitar a pedir aos países que “mantenham os esforços tendo em vista uma redução (do problema da fome) à metade nas próximas duas décadas”.
        Mais incisivo, o relatório do Banco Mundial alerta que será preciso dobrar a produção mundial de alimentos nos próximos 30 anos para atender ao aumento da demanda provocado pelo crescimento populacional e o desenvolvimento econômico, especialmente do Leste e do Sudeste da Ásia, onde vive quase um terço da humanidade. “É um desafio gigantesco”, diz o relatório. Até agora, o Banco Mundial afirmava que o planeta tinha capacidade de produzir alimentos além do consumo. Mas a colheita de grãos em 1995 ficou 225 milhões de toneladas abaixo da previsão do Banco Mundial. Foi o terceiro ano seguido com sucesso superior à produção. Os estoques caíram a níveis baixíssimos. A famosa montanha de alimentos da União Europeia – que subsidia pesadamente a agricultura, com metade do seu orçamento – foi reduzida a um morrinho.
        A longo prazo, o Banco Mundial tem ainda mais receios. A disponibilidade de água e terra é cada vez menor. Para produzir um quilo de trigo gastam-se mil litros de água. Para cada quilo de carne, o gado come sete quilos de grãos e os porcos quatro. Os lençóis subterrâneos no Meio-Oeste dos Estados Unidos, na China e na Índia estão secando. “De modo geral, as fontes baratas, limpas e renováveis de água já estão sendo exploradas”, observa o relatório. Pelo menos 20 países não têm água suficiente para sua população. Há uma grande preocupação de que a escassez de água provoque guerras no Oriente Médio, uma região predominantemente árida cuja população deve dobrar nos próximos 20 anos.
        Uma das mudanças de orientação do banco deve ser aumentar o financiamento de pequenos agricultores em países em desenvolvimento. Segundo pesquisas do Banco Mundial, pequenos agricultores são mais eficientes que grandes.
·        As regiões mais afetadas pela falta de alimento são a África subsaariana (principalmente a região dos Grandes Lagos, o Sudão e a Libéria), o Afeganistão, a Mongólia, o Laos, a Coréia do Norte, o Iraque e o Lêmen. Na América Latina, os países mais atingidos são o Peru, o Haiti e a Bolívia.
·        Um dos principais empecilhos ao aumento da produção alimentar é a falta de água para a agricultura. Pelo menos 20 países, com população de 230 milhões de pessoas, têm déficit de água. A situação é pior no Norte da África e no Oriente Médio. A água é farta na América Latina e no Sul da Ásia.
·        Os objetivos da FAO esbarram também na tendência mundial para a concentração de renda: desde 1961, a renda dos 20% mais ricos aumentou 61 vezes em relação aos 20% mais pobres.
·        A cada minuto, 47 pessoas cruzam a linha da pobreza, formada pelas pessoas que recebem menos de US$ 370 por ano. São 70 mil novos pobres por dia.
·        Hoje, 60% da população mundial vive com dois dólares por dia e 1,3 bilhão de pessoas, ou um quinto da população do planeta, sobrevivem com menos de 1 dólar por dia.
·        13 milhões de crianças morrem anualmente antes de completar 5 anos, por doenças ligadas à desnutrição.
                        Nelson Franco Jobim, in Jornal do Brasil, 13 nov. 1996.
                                    Fonte: Livro – Oficina de Redação – Leila Lauar Sarmento, 7ª Série. Editora Moderna, 1ª edição,1998. p. 134-7.
Entendendo o texto:

01 – Por que a fome vem se tornando um dos mais graves problemas no mundo?
      Devido à queda da produção agrícola e ao aumento das populações que passaram a consumir mais alimento.

02 – O que causou a crise na produção de alimentos, segundo o texto?
      O Banco Mundial retirou a sua ajuda à agricultura, e isso prejudicou o desenvolvimento da produção de alimentos.

03 – Que consequências mais imediatas a ameaça da fome traz para a humanidade?
      Com a desnutrição, muitas crianças são prejudicadas em seu desenvolvimento, o que contribui também para a diminuição da capacidade e da inteligência. Torna-se mais fácil contrair doenças e isso reduz o tempo de vida do homem.

04 – Diante do que se anunciou em 1974, podemos dizer que nós, brasileiros, estamos bem distantes desse sonho? Por quê?
      Sim. Apesar de algumas campanhas contra a fome, ela cresce, principalmente nas regiões mais pobres, como o Norte e o Nordeste.

05 – No texto, há um apelo aos países (terceiro parágrafo) visando à redução da fome no futuro. A seu ver, que medidas devem ser tomadas, para se evitar uma fome universal?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Ajuda aos países mais pobres e aos pequenos agricultores, melhor distribuição de renda, mais empregos e assistência aos desempregados.

06 – Segundo o texto, que fatos vêm exigindo uma maior produção de alimentos?
      O aumento demográfico e o desenvolvimento econômico, que proporciona o aumento do poder aquisitivo de várias pessoas, que passam a consumir mais.

07 – O que aconteceu com a “montanha de alimentos” da União Europeia? Por quê?
      Reduziu consideravelmente, devido à baixa produção e ao alto consumo dos produtos agrícolas.

08 – Por que é preocupante a utilização da água no planeta?
      Porque a disponibilidade de água é cada vez menor; os lençóis subterrâneos estão desaparecendo.

09 – Qual é a importância da água na produção de alimentos?
      Além da irrigação necessária às plantações, o gado precisa ser bem alimentado com grãos de trigo cujo cultivo consome muita água.

10 – Em que regiões do planeta o problema da fome é mais grave? Por quê?
      No Norte da África e no Oriente Médio em virtude principalmente da carência de água para a agricultura. Na América Latina, os países onde a fome ocorre com índices mais alarmantes são Peru, Haiti e Bolívia.

11 – Por que a concentração de renda agrava a fome?
      Há um aumento de consumo por parte das pessoas mais favorecidas, tirando do outro o alimento necessário à sua sobrevivência.

12 – Como se pode perceber, pelo texto, o grau de pobreza no mundo? O que você pensa sobre isso?
      Maior número de crianças morrem devido a doenças como a desnutrição; grande número de pessoas que ganham pouco ou estão desempregadas alimentam-se mal e vivem menos tempo.