terça-feira, 1 de maio de 2018

TEXTO: O MUNDO SEM FIM - LIÇÕES DE ABISMO - COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO


Texto: O MUNDO SEM FIM


      Teria eu uns doze anos quando um dia me assaltou a mente, com particular relevo, a ideia de que o mundo já existira sem mim. Essa ideia é aparentemente trivial, pois nenhum de nós, em são juízo, pretende ter sido companheiro de armas de Carlos Magno, ou tripulante da caravela de Cristóvão Colombo.
        O mundo, evidentemente, era mais antigo do que o menino que suspendia o brinquedo para olhar em volta de si com estranheza; ali estavam as pessoas mais velhas, as grossas árvores, as casas, as montanhas, tudo a me falar de uma história anterior e de um cenário anterior. Mas o caso é que eu, de repente, achava muito esquisita essa ideia tão simples.
         As pessoas mais velhas tinham um privilégio perturbador: bastava-lhes querer, para que dentro delas se armasse um mundo em que eu não era, nem havia necessidade que fosse. Pedia então à mamãe:
         --- Conta uma história de antigamente.
         Ela contava. A gente grande virava criança, os mortos saíam das sepulturas, e as crianças como eu, nesse recuo, mergulhavam na morte branca do não-ser. E de todas as transmutações era essa a que me parecia mais incompreensível. Na história que minha mãe contava, os personagens não davam por falta de mim; ninguém esperava por mim. Os mortos mais mortos, que não chegavam a emergir na data do episódio, eram todavia lembrados, e lá estavam presentes pelos ecos e vestígios. Havia o Barão, a tia Elvira, que fora ao baile da Ilha Fiscal, o Juvêncio, negro legendário pelos exemplos de fidelidade e dedicação. O nome deles, a saudade deles entrava na história. A marca deles. Eu não. Naquela cena vagamente amarela, que eu via desenhar-se atrás da testa de minha mãe, revivia um mundo em que eu não era; nem havia necessidade que fosse. 

                                     Lições de abismo. Rio de Janeiro: Agir, 1989, p. 69-71.

Entendendo o texto:
01 – Segundo o narrador, a ideia de que o mundo já existira sem ele é “aparentemente trivial”.
        - Por que é uma ideia trivial?
        Porque qualquer pessoa sensata sabe que não existia no tempo de acontecimentos históricos do passado.

02 – Localize esta frase, no primeiro parágrafo:
       “O mundo, evidentemente, era mais antigo do que o menino...”
           Que evidências o menino tinha de que o mundo era mais antigo que ele?
         O que ele via à sua volta com mais idade que ele: as pessoas mais velhas, as árvores grossas (logo, de muitos anos), as casas, as montanhas.

03 – Recorde o início do segundo parágrafo:
       “As pessoas mais velhas tinham um privilégio perturbador”.
       Privilégio designa uma vantagem: as pessoas mais velhas tinham uma vantagem que o menino não tinha.
     a) Que privilégio tinham as pessoas mais velhas?
      Podiam recordar acontecimentos anteriores ao nascimento do menino.

     b) Por que isso era um privilégio?
      Porque as pessoas mais velhas podiam ter recordações que o menino não podia ter.

     c) Por que, para o menino, ouvir uma história de antigamente era uma forma de compensar o privilégio que tinham as pessoas mais velhas?
      Porque ficava conhecendo os acontecimentos que as pessoas mais velhas conheciam.

04 – Localize esta frase no quarto parágrafo:
       “E de todas as transmutações era essa a que me parecia mais incompreensível”.
     a) Quais são “todas as transmutações” a que se refere o narrador?
      Gente grande passava de adultos a crianças, mortos voltavam a viver, crianças deixavam de existir.

     b) Qual era a transmutação que parecia mais incompreensível?
      Na história que a mãe contava. 
      A de as crianças deixarem de existir, não participarem das histórias de antigamente.

05 – Na história que a mãe contava, “os mortos saíam das sepulturas” e “as crianças mergulhavam na morte branca do não-ser”.
     a) Por que os mortos saíam das sepulturas?
      Porque, no tempo em que se passava a história, ainda não tinham morrido, participavam da história como personagens.

     b) Em geral, fala-se da morte do ser: a perda da vida por um ser até então vivo. O que significa, no texto, “morte do não-ser”?
      Morte como ausência de vida. Referindo-se ao período antes de um ser existir.

     c) Por que, na história, as crianças mergulhavam na morte do não-ser?
      Porque, no tempo em que passava a história, ainda não existiam, ainda não eram seres, ainda não tinham vida.



POEMA: ODE AO BURGUÊS - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

POEMA: ODE AO BURGUÊS
                 Mário de Andrade


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
É sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos;
E gemem sangres de alguns mil-réis fracos
Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
E tocam os “Printemps” com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol?? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
Um colar... Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”
Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! Purée de batatas morais!
Oh! Cabelos nas ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
Sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
Cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês! ...

                                         Mário de Andrade. Paulicéia Desvairada. São Paulo:
                                                                                            Martins Editora, 1922.

Entendendo o texto:
01 – Uma das características da primeira fase do Modernismo é a atitude combativa diante de valores da sociedade da época. Como essa característica pode ser observada nesse poema?
      O eu-poético manifesta-se contra valores burgueses estabelecidos: o culto ao dinheiro, às aparências, à cautela, ao convencional.

02 – Que versos marcam as relações familiares burguesas? Como essas relações são descritas?
      Os versos “Ai, filha, que te darei pelos teus anos? / Um colar... conto e quinhentos!!!” sugerem relações familiares baseadas em valores materiais.

03 – Que efeito é produzido com o uso repetitivo dos pontos de exclamação?
      Os pontos de exclamação reforçam a indignação do poeta e o texto ganha um tom de exacerbada fúria.

04 – Releia os seguintes versos e explique as imagens produzidas.
“O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, / é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!”
“Fora os que algarismam os amanhãs!”
“Que vivem dentro de muros sem pulos: / e gemem sangues de alguns mil-réisfracos!”
      Resposta pessoal.

05 – Releia as expressões: “burguês-níquel”, “burguês-mensal”, “burguês-cinema”, “burguês-tílburi”. Observe que cada expressão descreve um traço do burguês. Explique que característica burguesa está sendo criticada em cada uma delas.
      “Burguês-níquel”: o culto ao dinheiro. “Burguês-mensal”: o esperado, o convencional. “Burguês-cinema”: a diversão convencional que dispensa reflexões, equivalente à TV de hoje. “Burguês-tílburi”: é o carro da época, símbolo de status.

06 – O que sugere a menção aos “barões lampiões”, “condes joões” e “duques zurros”?
        A citação da hierarquia nobiliárquica pode estar ressaltando o desejo de nobreza dos burgueses que, segundo ele, não passam de trabalhadores (lampiões), pessoas comuns (joões) e ruidosas (zurros).

07 – Compare o título com o poema e responda:
a)   O que há de estranho no tom e no significado dessa ode, em relação ao sentido tradicional do termo?
Nessa Ode, em vez de tom alegre, entusiástico, temos um tom agressivo, de insulto e ódio, e um significado não de exaltação, mas de demolição. Com o jogo sonoro do título, que opõe ode ao ódio, o autor reforça esse paradoxo.

b)   A quem o autor dirige sua crítica?
O autor dirige sua crítica centralmente a uma classe social, a burguesia.

08 – “Ode ao burguês” possui estrofes heterogêneas e versos livres, isto é, sem rima nem métrica, embora apresente ritmo e recursos sonoros. Releia o poema, atentando para esses aspectos formais, característicos do Modernismo. Depois fundamente com exemplos as seguintes afirmações:
a)   As estrofes do poema são heterogêneas?
As estrofes do poema são irregulares quanto ao número de versos: a primeira e a segunda compõem-se de seis versos; a terceira, de sete; a quarta, de oito; a quinta, de onze; a sexta, de cincos; e a sétima, de apenas um verso.

b)   O poema é livre quanto à métrica e à organização de rimas (você pode escolher apenas uma estrofe do poema para exemplificar sua resposta).
Em qualquer uma das estrofes a métrica é nitidamente livre, como se observa pela diversidade desordenada de sílabas poéticas com que se estruturam. Também em qualquer das estrofes percebe-se a inexistência de uma organização rímica regular no poema.

09 – Dentre os recursos sonoros, podemos ressaltar a presença de rimas dentro de um mesmo verso ou em versos seguidos, como ocorre no segundo e no terceiro versos da segunda estrofe.
a)   Repare que as semelhanças sonoras presentes em “Os barões Lampeões! os condes Joões” reforçam o contraste irônico entre imagens de diferentes significados. Que imagens são essas?
Barões e condes, títulos honoríficos, são imagens de superioridade social, enquanto Lampeões e Joões lembram bandidos populares (como Lampião) e homens comuns, como surge o nome João pluralizado.

b)   Já em “... duques zurros! / Que vivem dentro de muros sem pulos” a repetição da vogal u constitui um elemento de ridicularização, expresso, por exemplo, na associação da palavra duque a urros de animais (repare na onomatopeia sugerida em “duques zurros”). Na sua opinião, qual a crítica contida no verso “... vivem dentro de muros sem pulos”?

O verso sugere a imobilidade da aristocracia, a sua incapacidade de correr riscos, a sua falta de ousadia.





FÁBULA: A FORMIGA E O GRÃO DE TRIGO - ESOPO - COM GABARITO


Fábula: A FORMIGA E O GRÃO DE TRIGO
                ESOPO


Texto retirado do Saresp / 2005.

        Durante a colheita, um grão de trigo caiu no solo. Ali ele esperou que a chuva o enterrasse.
        Então surgiu uma formiga que começou a arrastá-lo para o formigueiro.
        – Por favor, me deixe em paz! – protestou o grão de trigo.
        – Mas precisamos de você no formigueiro – disse a formiga – se não tivermos você para nos alimentar, vamos morrer de fome no inverno.
        – Mas eu sou uma semente viva – reclamou o trigo. – não fui feito para ser comido. Eu devo ser enterrado no solo para que uma nova planta possa crescer a partir de mim.
        – Talvez – disse a formiga –, mas isso é muito complicado para mim. E continuou a arrastar o trigo.
        – Ei, espere – disse o trigo. Tive uma ideia. Vamos fazer um acordo!
        – Um acordo? – perguntou a formiga.
        – Isso mesmo. Você me deixa no campo e, no ano que vem, eu lhe dou cem grãos.
        – Você está brincando – disse a formiga, descrente.
        – Não, eu lhe prometo cem grãos iguais a mim no próximo ano.
        – Cem grãos de trigo para desistir de apenas um? – disse a formiga, desconfiada. – Como você vai fazer isso?
        – Não me pergunte – respondeu o trigo –, é um mistério que não sei explicar. Confie em mim.
        – Eu confio em você – disse a formiga, que deixou o grão de trigo em seu lugar.
        E, no ano seguinte, quando a formiga voltou, o trigo tinha mantido sua promessa.

FÁBULAS do mundo todo: Esopo, Leonardo da Vinci,
Andersen, Tolstoi e muitos outros...
São Paulo: Melhoramentos,2004.
Entendendo a fábula:
01 – O grão de trigo caiu no solo esperando que:
    a) A formiga o levasse para o formigueiro.
    b) Outros grãos de trigo fossem procurá-lo.
    c) O vento o levasse para longe dali.
    d) A chuva o enterrasse.

02 – O desentendimento entre os personagens da história inicia quando:
a)   O grão de trigo cai no solo.
b)   O trigo diz que é uma semente viva.
c)   A formiga começa a arrastar a semente.
    d) A formiga aceita fazer um acordo com o trigo.

03 – Quando a formiga diz ao trigo “você está brincando”, ela:
a)   Acredita que o grão vai cumprir o acordo.
b)   Desconfia da promessa do grão.
c)   Está se divertindo com a situação.
d)   Está propondo ao trigo uma brincadeira.

04 – A formiga resolve deixar o grão em seu lugar porque:
a)   Ele lhe promete cem grãos de trigo.
b)   Já tem comida suficiente no formigueiro.
c)   Quer o grão como amigo.
    d) Sente pena dele.

05 – Quando o autor diz que "o trigo tinha mantido sua promessa", podemos entender que o trigo:
a)   Germinou e se tornou uma planta que gerou outros grãos de trigo.
b)   Ficou rico e comprou cem grãos para dar à formiga.
c)   Tinha permanecido o tempo todo em seu à espera da formiga.
 d) Roubou cem grãos de plantação vizinha.

06 – Esta história trata principalmente de um acordo baseado em:
a)   Trapaça e mentira.
b)   Confiança e fidelidade.
c)   Amizade e companheirismo.
d)   Desconfiança e engano.


07 – Quais são as personagens do texto?
     O grão de trigo e a formiga.

08 – Qual das personagens aparece em primeiro lugar?
      O grão de trigo.

09 – Releia os parágrafos 2 e 3:
a)   Quem apareceu na história?
A formiga.

b)   O que ela fez?
Começou a arrastar o grão de trigo.

c)   Para onde ela se dirigiu?
Dirigiu-se para o formigueiro.

 10 – Que explicação o grão de trigo deu a formiga para não leva-lo para o formigueiro?
      Que ela era uma semente viva, e que a função dela era germinar e produzir muitos grãos.

11 – O grão de trigo sugeriu alguma coisa à formiga. O que foi?
      Para deixa-la no campo e no outro ano ela daria cem grãos. 
    
 12 – O que a formiga achou da proposta do grão de trigo?
      Embora duvidasse, aceito a proposta.

13 – A formiga teve oportunidade de saber se o grão de trigo cumpriu sua promessa? Justifique.
      Sim. No ano seguinte, quando a formiga voltou, o trigo tinha mantido sua promessa.

    

CONTO: A PRIMEIRA SÓ - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

CONTO: A Primeira Só
                Marina Colasanti

      Era linda, era filha, era única. Filha de rei. Mas de que adiantava ser princesa se não tinha com quem brincar?
      Sozinha, no palácio, chorava e chorava. Não queria saber de bonecas, não queria saber de brinquedos. Queria uma amiga para gostar.
      De noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adiantava a coroa se a filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza. Chamou o vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o maior espelho do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé da cama da filha que dormia.
      Quando a princesa acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e única olhava para ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram as duas da cama. Rapidamente chegaram perto e ficaram se encontrando. Uma sorriu e deu bom dia. A outra deu bom dia sorrindo.
      - Engraçado – pensou uma -, a outra é canhota.
      E riram as duas.
      Riram muito depois. Felizes juntas, felizes iguais. A brincadeira de uma era a graça da outra. O salto de uma era o pulo da outra. E quando uma estava cansada, a outra dormia.
      O rei, encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos novos, que entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas, casinhas e uma bola de ouro. A bola no fundo da cesta. Porém tão brilhante, que foi o primeiro presente que escolheram.
      Rolaram com ela no tapete, lançaram na cama atiraram para o alto. Mas quando a princesa resolveu jogá-la nas mãos da amiga, a bola estilhaçou jogo e amizade.
      Uma moldura vazia, cacos de espelho no chão.
      A tristeza pesou nos olhos da única filha do rei. Abaixou a cabeça para chorar. A lágrima inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que tanto amava. Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas amigas. Não na lágrima, que logo caiu, mas nos cacos que cobriam o chão.
      - Engraçado, são canhotas – pensou.
      E riram.
      Riram por algum tempo depois. Era diferente brincar com tantas amigas. Agora podia escolher. Um dia escolheu uma e logo se cansou. No dia seguinte preferiu outra, e esqueceu-se dela logo em seguida. Depois outra e outra, até achar que todas eram poucas. Então pegou uma, jogou contra a parede e fez duas. Cansou das duas, pisou com o sapato e fez quatro. Não achou mais graça nas quatro, quebrou com o martelo e fez oito. Irritou-se com as oito, partiu com uma pedra e fez doze.
      Mas duas eram menores do que uma, quatro menores do que duas, oito menores do que quatro, doze menores do que oito.
      Menores, cada vez menores.
      Tão menores que não cabiam em si, pedaços de amigas com as quais não se podia brincar. Um olho, um sorriso, um pedaço de si. Depois, nem isso, pó brilhante de amigas espalhado pelo chão.
      Sozinha outra vez a filha do rei. Chorava?
      Nem sei. Não queria saber das bonecas, não queria saber dos brinquedos.
      Saiu do palácio e foi correr no jardim para cansar a tristeza.
      Correu, correu, e a tristeza continuava com ela. Correu pelo bosque, correu pelo prado. Parou à beira do lago.
      No reflexo da água a amiga esperava por ela.
      Mas a princesa não queria mais uma única amiga, queria tantas, queria todas, aquelas que tinha tido e as novas que encontraria. Soprou na água. A amiga encrespou-se, mas continuou sendo uma.
      Então a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos, estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que foram afundando com ela, sumindo nas pequenas ondas com que o lago arrumava sua superfície.

Entendendo o conto:

01 – Já no primeiro parágrafo, uma pergunta apresenta a personagem principal e o tema do conto.
a)   Qual a temática abordada nesse conto?
Uma princesa que não tinha amigos.

b)   Que relação há entre esse parágrafo e o título do conto?
Ela só queria uma amiga.

02 – Releia o primeiro parágrafo do texto.
a)   Na sua opinião, por que a autora considera uma contradição o fato de ser princesa e não ter amigas para brincar?
Porque geralmente uma princesa tem deveres e nunca sobram tempo de brincar.

b)   Com que finalidade a autora inicia o conto com uma pergunta?
Com a finalidade de perguntar de que adianta ter tudo e não ser feliz.

03 – Diante do sofrimento da filha, o pai mana fazer um grande espelho e o coloca em seu quarto.
a)   Por que, inicialmente, essa solução satisfez a princesa, deixando-a contente?
Porque ela achou tudo novo, “Ela tinha alguém que brincava com ela”.

b)   Por que, depois de algum tempo, essa solução não satisfez mais a princesa?
Porque o espelho quebrou, e ela viu que não era uma pessoa de verdade.

04 – A princesa vê sua imagem invertida refletida no espelho. Que recursos, no texto, ajudam o leitor a construir essa imagem de reflexo / inversão produzida no texto? Exemplifique com uma frase.
      “– Engraçado – pensou uma – a outra é canhota.”

05 – O conto é uma narrativa caracterizada pela concisão, ou seja, pelo reduzido número de personagens e ações e pela concentração do espaço e do tempo.
      Se esse conto fosse uma fotografia, como seria composta sua imagem, ou seja, quem e o que estariam na foto, em que cenário, fazendo o que?
      A princesa estaria no centro da imagem olhando seu reflexo no espelho partido, uma bola de ouro reluzente ao lado, além de ter de fundo um lago mostrando mais um reflexo da princesa e mais no fundo o rei, o vidraceiro e o moldureiro.

06 – Na sua opinião, qual o significado do último parágrafo do texto?
      Resposta pessoal do aluno.
      Possível resposta – A princesa acabou com a própria vida se jogando no lago, e acabou também com todas as suas amigas, que eram apenas seu próprio reflexo em um espelho.

07 – O título do texto: “A princesa só” nos leva a crer que leremos um texto sobre solidão. O conto, entretanto, trabalha outro aspecto, a vaidade, ao trazer um elemento típico para seu enredo: o espelho. Sabemos que todo conto tem intuito refletivo; portanto, qual a intenção da autora ao trabalhar esses dois sentimentos lado a lado? Justifique sua resposta.
      A autora quer simplesmente mostrar que quando nós voltamos muito a nós mesmos, quando somos caprichosos ou quando só nós importamos conosco, essa vaidade ou esse amor próprio doentio, fazem-nos fecharmos tanto em nós mesmos, que acabamos sós.

08 – Embora o texto conte a história de uma princesa que tem como amiga o seu reflexo, a história não nos soa intragável ou risível. Isto se deve a um recurso típico dos contos fantásticos, o qual mescla o real e o imaginário de modo coerente. Qual o nome dessa técnica e porque somos capazes de entender essa ligação entre o espelho e a amizade?
      Verossimilhança. Graças a ela, eu sou capaz de entender que ter vários reflexos no espelho, é como ter inúmeros amigos, pois, na vida, nossos amigos são – por muitas vezes – bastante parecidos conosco, feito espelhos.

09 – Extraia do conto um exemplo para cada figura de linguagem transcrita abaixo:
a)   Catacrese: “pé da cama.”
b)   Eufemismo: “Sumindo nas pequenas ondas.”
c)   Hipérbole: “Chorava, dias e noites, sem parar.”
d)   Prosopopeia: “O lago arrumava sua superfície” ou inúmeros verbos de ação envolvendo o reflexo.

10 – Todo pensamento humano costuma seguir uma determinada estrutura. O conto lido, obra do pensamento de Marina Colasanti, não é diferente. Assim sendo, identifique em poucas palavras, a ordem seguida por ele:
·        Introdução: A filha do rei se sente só e ele compra um espelho para a filha.

·        Complicação: A menina começa a brincar com o espelho como se fosse uma outra menina, até que o quebra sem querer e percebe que ao invés de uma amiga (um só espelho), agora ela tem inúmeras amigas (uma para cada reflexo de caco).

·        Clímax: A menina pisa nos cacos para ter mais e mais amigas, até que os cacos viram pó de vidro e nada mais refletem.

·        Desfecho: A menina vê seu reflexo na beira de um rio, e quer também desfazê-lo para que se torne vários... Mas não consegue, e finda morrendo afogada.

11 – Transcreva, a partir do texto, ao menos uma marca, explícita ou implícita, das características teóricas do conto. Lembre-se de só responder àquelas que realmente estão presentes no texto lido:
a)   Espaço Físico: palácio, bosque, jardim.
Espaço Social: quarto da menina, beira do rio.

b)   Tempo psicológico: ______ (não há marcas psicológicas de tempo).
Tempo cronológico: “De noite”, “Dias e noites”.

c)Características psicológicas da personagem principal: Mimada, prepotente, ambiciosa, gananciosa.
Características físicas da personagem principal: “Era linda”.