quinta-feira, 3 de julho de 2025

CONTO: A ENCOMENDA - RUY FABIANO - COM GABARITO

 Conto: A encomenda

           Ruy Fabiano

O telefonema me incumbia de missão desagradável: remeter ao Brasil as cinzas de alguém que nem sequer conheci. Juliana, minha grande amiga, a quem devo gentilezas impagáveis, e suas duas irmãs (que vi apenas umas poucas vezes) perderam a mãe, dona Gina, em Roma, há duas semanas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCQlFviwSwOTFPJENvVIP534VGodjXuYjmHc3PnA8UcdwQJAd21p3unBri0HaYu6O3DoGVorNKudqWPPtmsQ-JJc6D2u7QvZN4OD02OLFwAJX_jm1hSmebwkb2NFlsguct6h6HrZ4VoRm15ec3s9eAD15SSmnYnBmj6yT3xXosmRb7oPAEuZD9hYXjnAk/s320/81MJKs01yDL._UF894,1000_QL80_.jpg


        Por vontade da falecida, expressa em testamento – e providenciada por um velho tio napolitano, a seguir hospitalizado –, seu corpo foi cremado e as cinzas postas à disposição das filhas no crematório municipal, rua tal, n° tal. As filhas não teriam condições de pessoalmente recolher os despojos, pois tinham compromisso profissional no Brasil. Como eu estava morando na cidade, não custava nada providenciar e quebrar assim um imenso galho para a família. A procuração estava seguindo pelo correio, dando-me plenos poderes para representá-las.

        Jamais me esqueceriam.

        Tudo muito asséptico: as cinzas estariam depositadas num cofre lacrado, que caberia sem problemas naquelas embalagens vendidas na própria agência do correio. O custo era baixo e a segurança, total. Essas remessas, inclusive, já eram mais ou menos rotineiras, disse-me minha amiga. E me relatou histórias análogas que me pareceram improvisadas para me convencer. Não soube recusar.

        Era a segunda tarefa trabalhosa que me mandavam do Brasil no mesmo período. Antes de Juliana, ligara-me Dulce, mulher do meu editor, socialite desocupada, ciente de seu poder de influência, com um pedido perfeitamente supérfluo e dispensável: que lhe mandasse orégano italiano pelo correio.

        O orégano de Roma, disse-me ela, sobretudo um vendido na rua tal, n° tal, era incomparável, dava um sabor especial à pizza, e Olavinho, o editor, era tarado por pizza etc. Como contrariar um editor, sobretudo quando se está fora? Dele depende não apenas o emprego, mas a presteza no atendimento às emergências, a gentileza na concessão de algumas regalias (passagens extras para o Brasil ou para países próximos, adiantamentos salariais, free-lancers, etc.).

        Já havia providenciado o pedido de Dulce quando fui em busca das cinzas da velha, uma semana depois do telefonema de Juliana, devidamente munido da procuração. O saco de orégano estava dentro de uma caixa em cima da mesa da sala de jantar. Quando cheguei do crematório, onde me submeti a penosos ritos burocráticos, coloquei a embalagem fúnebre ao lado da comestível.

        Sentia-me exausto.

        Trazer as cinzas de alguém dentro de um táxi parecera-me um tanto bizarro. Mais ainda tê-las dentro de casa. Sempre me impressionei demasiado com o mistério da morte e jamais imaginei um dia tê-la a tiracolo, armazenada numa caixa. O táxi circulava pelas ruas movimentadas de Roma e eu ali, com um defunto esfarinhado ao colo. O dia chuvoso acentuava a atmosfera mórbida.

        Busquei ser o mais objetivo possível. Tentei pensar em coisas diferentes: a escalação da seleção brasileira, por exemplo; nossa crônica carência de goleiros e o indefectível drible a mais de nossos pontas. Pensei também no imposto de renda, na injustiça fiscal, no desconforto de declará-lo do exterior.

        Mas a lembrança da morte encaixotada sempre retornava.

        Fui dormir tentando driblar o assunto. Recorri a um sonífero. No dia seguinte me desincumbiria das duas tarefas ao mesmo tempo, na mesma agência dos correios, e nunca mais aceitaria encomendas em crematórios ou necrotérios. No meu testamento, se um dia fizer um, exigirei que minhas cinzas sejam liberadas ao vento no ato mesmo da cremação. Nada de remessas postais, virtuais ou seja lá como for.

        Fiz tudo direito, com o máximo cuidado para não confundir as encomendas. Lembro-me de que preenchi as etiquetas sem perder de vista o movimento nervoso que a funcionária do guichê fazia com as duas caixas, que tinham dimensão equivalente. Para diferenciá-las, marquei um "x" numa delas.

        Não sei o que aconteceu.

        Juliana me ligou do Rio esta manhã para dizer que tinha gostado muito do orégano, mas que continuava aguardando, ela e suas irmãs, as cinzas da mãe; que poderia despachá-las, se preferisse, pelo malote semanal da embaixada brasileira, pois tinham um parente no Itamaraty, no Rio, que poderia ser o destinatário. Disse mais: que não tinham notado inicialmente o conteúdo diverso da encomenda e que tinham mandado celebrar missa in memoriam na presença das supostas cinzas.

        Velaram o orégano, emocionaram-se diante dele, o que, posteriormente, foi encarado até com humor (felizmente). Mas continuavam à espera das cinzas, quando chegariam, que precisavam marcar a data do sepultamento simbólico, que ficariam guardadas no gavetório da catedral da cidade etc.

        Fui obrigado a mentir, a falsear a verdade – e me sinto muito mal com isso. Cheguei a me engasgar. O crematório, disse, havia feito novas exigências burocráticas e só amanhã a encomenda seguiria, que tudo enfim estava resolvido. O orégano foi uma gentileza, disse, pois lembrei-me de que ela gostava muito de pizza (perguntou-me como eu descobrira, já que nunca falara disso a ninguém).

        Estou agora pensando num modo de conseguir cinzas falsas e remetê-las ao Brasil. Não faço ideia de por onde começar. Terei que voltar ao crematório municipal. A pista tem que estar lá. Recuso-me a avaliar meu gesto. Ajo tendo em vista a relação custo-benefício. Não há individualidade em cinzas.

        Quanto à mulher do meu editor, aí sim, me encalacrei: não sei como farei para providenciar outra remessa como aquela. As cinzas de dona Gina foram degustadas com euforia pelo casal e um círculo íntimo de gastrônomos, que ficaram impressionados com o sabor picante, "a condimentação na intensidade exata", e agora querem saber que tempero é aquele, em que casa o comprei e se posso passar a enviá-lo periodicamente.

Ruy Fabiano.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 29-31.

Entendendo o conto:

01 – Qual era a "missão desagradável" que o narrador recebeu de Juliana?

      A "missão desagradável" que o narrador recebeu de Juliana era a de remeter ao Brasil as cinzas de sua mãe, Dona Gina, que havia falecido em Roma. O narrador se sentia desconfortável com a tarefa, especialmente por não ter conhecido a falecida.

02 – Que outra encomenda o narrador havia recebido do Brasil no mesmo período, e de quem?

      Antes do pedido de Juliana, o narrador havia recebido uma encomenda de Dulce, a esposa de seu editor. O pedido de Dulce era que ele lhe enviasse orégano italiano pelo correio, alegando que o orégano de Roma era incomparável e dava um sabor especial à pizza.

03 – Qual o conflito interno do narrador ao ter as cinzas de Dona Gina em sua casa e no táxi?

      O narrador sentia-se exausto e bizarro com a situação. Ele sempre se impressionou com o mistério da morte e jamais imaginou tê-la "a tiracolo, armazenada numa caixa" ou "um defunto esfarinhado ao colo" dentro de um táxi. A atmosfera mórbida, acentuada pelo dia chuvoso, intensificava seu desconforto.

04 – Que medidas o narrador tomou para tentar diferenciar as duas encomendas na agência dos correios?

      Para diferenciar as duas encomendas (as cinzas de Dona Gina e o orégano), o narrador preencheu as etiquetas com o máximo cuidado e marcou um "x" em uma das caixas. No entanto, ele não conseguiu acompanhar o movimento nervoso da funcionária do guichê, que lidava com as duas caixas de dimensão equivalente.

05 – Qual a confusão hilária que ocorreu com as encomendas após o envio?

      A confusão hilária foi que as cinzas de Dona Gina foram enviadas para a mulher do editor (Dulce) como orégano, e o orégano foi enviado para a família de Juliana como as cinzas da mãe.

06 – Como a família de Juliana reagiu ao receber a encomenda errada?

      A família de Juliana, inicialmente, não notou o conteúdo diverso e chegou a celebrar uma missa in memoriam na presença do suposto orégano. Embora posteriormente tenham encarado a situação com humor, continuavam à espera das cinzas para o sepultamento simbólico, forçando o narrador a mentir sobre novas exigências burocráticas do crematório.

07 – Qual a reação de Dulce e seu círculo de gastrônomos ao "tempero" que receberam?

      Dulce e seu círculo de gastrônomos degustaram as cinzas de Dona Gina com euforia, ficando "impressionados com o sabor picante, 'a condimentação na intensidade exata'". Eles passaram a querer saber a origem do tempero e se o narrador poderia enviá-lo periodicamente, complicando ainda mais a situação dele.

08 – O que o narrador decide sobre suas próprias cinzas após essa experiência?

      Após a experiência traumática, o narrador decide que, se um dia fizer um testamento, exigirá que suas cinzas sejam liberadas ao vento no ato mesmo da cremação, sem "remessas postais, virtuais ou seja lá como for". Isso reflete seu desejo de evitar o destino "encaixotado" que ele mesmo providenciou para Dona Gina.

09 – Por que o narrador se sente mal ao mentir para Juliana e qual sua estratégia para resolver a situação com as cinzas?

      O narrador se sente muito mal e chega a se engasgar ao mentir para Juliana sobre as novas exigências burocráticas do crematório. Para resolver a situação, ele começa a pensar em um modo de conseguir cinzas falsas e remetê-las ao Brasil, planejando retornar ao crematório municipal em busca de uma "pista".

10 – Qual o dilema final do narrador em relação às duas encomendas?

      O dilema final é que, enquanto ele tenta encontrar uma solução para as cinzas de Dona Gina (produzir cinzas falsas), ele se vê "encalacrado" com a mulher do editor (Dulce). Agora, Dulce e seus amigos querem saber onde ele comprou o "tempero" (as cinzas) e se ele pode enviá-lo periodicamente, criando uma nova e bizarra demanda para o narrador.

 

CRÔNICA: AREIAS DE PORTUGAL - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Crônica: Areias de Portugal

              Carlos Heitor Cony

        No meio do quintal, ao lado da casa, havia a mangueira, enorme, de um de seus ramos o pai pendurara um balanço que teve seus dias de glória até que meu irmão dele se despencou. Minha mãe iniciou campanha feroz e bem-sucedida, o balanço serviu de lenha numa fogueira de Santo Antônio.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjm-Ojyt2bczsXOcAqwPEplXjcgcn7fqo9WWZtCIty8tthO-yPs-YYs2ZZUl3LhxtVCWfEmWjG6vFUWrAsMc_yV4DCZooW32v6jDUhUy4boPHXqI1FfoLfKUUApZEB0tM8Y_3k_-o0mG7iZdl-nGX879TYwf4LHKdaL56FU0OUAA7PQ0L4SwzVHKATQFSM/s320/0093088_regular_festa-junina-regiao-das-missoes-karol-rocha-sao-miguel-das-missoes-fone-festa-junina-jesuita-missioneira-sao-pedro-sao-joao-santo-antonio-(7).jpg

        Naqueles dias, Humberto de Campos publicara uma página de suas memórias, evocando o cajueiro de sua infância. Meu pai lera a crônica para mim. Recortei-a do jornal e quase a decorei. Pior: procurei imitar o menino que subia nos galhos mais altos e gritava: "Assobe, assobe, gajeiro, naquele topo real, para ver se tu avistas terras de Espanha, Otolina, areias de Portuga!!".

        Passei a subir nos galhos mais altos, onde descobri um nicho no meio das folhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. E lá de cima eu também gritava aos ventos da Boca do Mato, garantindo que via terras de Espanha, quando, na verdade, via apenas os tetos cor de moringa da vizinhança, ao longe a torre mais-que-branca da Matriz de Nossa Senhora da Guia e, depois, a formidável massa azulada do pico da Tijuca.

        Pois ontem, tantos anos depois, sonhei com a mangueira dos dias antigos do passado. No sonho, ela surgia destacada, talvez mais alta e mais espetacular. E como na paisagem do sonho era quase noite, ela parecia iluminada por dentro, um pouco fosforescente, mas sem dúvida era a minha mangueira, intacta, esperando por mim.

        Olhei-a bem e não foi difícil encontrar, em seus ramos mais altos, o nicho de folhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. Lá estava ele, também, intacto, reconheci até mesmo o galho mais forte em que me segurava com maior confiança, deixando a outra mão livre para proteger os olhos do sol e dos ventos do mar largo. E de onde o menino, que nada vira do mundo até então, assombrado, avistava terras de Espanha, areias de Portugal.

Carlos Heitor Cony.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 28.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a importância da mangueira na infância do narrador?

      A mangueira era um elemento central na infância do narrador, servindo como o local onde o pai pendurou um balanço, que teve "dias de glória" antes de ser removido. Mais importante ainda, a mangueira se tornou o refúgio e ponto de observação do menino, onde ele se aventurava a imitar o personagem de Humberto de Campos.

02 – Como a crônica de Humberto de Campos influenciou o menino narrador?

      A crônica de Humberto de Campos, que evocava o cajueiro de sua infância, inspirou o menino a imitar o personagem que subia nos galhos e gritava avistando terras distantes. Essa leitura o levou a procurar um nicho na sua própria mangueira para reproduzir a cena, estimulando sua imaginação e seu senso de aventura.

03 – O que o menino realmente via do alto da mangueira, em contraste com o que gritava?

      Embora gritasse que via "terras de Espanha, Otolina, areias de Portuga!!", o menino, na verdade, via apenas os "tetos cor de moringa da vizinhança", a "torre mais-que-branca da Matriz de Nossa Senhora da Guia" ao longe, e a "formidável massa azulada do pico da Tijuca". Isso destaca a força da imaginação infantil sobre a realidade.

04 – Qual o significado do sonho do narrador com a mangueira, tantos anos depois?

      O sonho com a mangueira tantos anos depois simboliza a permanência e a vivacidade das memórias de infância. No sonho, a mangueira surge "intacta, esperando por mim", "iluminada por dentro", representando um refúgio nostálgico e um portal para o passado, onde o narrador pode reencontrar sua essência de criança e a capacidade de sonhar.

05 – O que a última frase "E de onde o menino, que nada vira do mundo até então, assombrado, avistava terras de Espanha, areias de Portugal" revela sobre a perspectiva da infância?

      Essa frase final encapsula a magia e a vastidão da imaginação infantil. Mesmo sem ter visto o mundo real, o menino, através da fantasia inspirada pela leitura, era capaz de "avistar" terras distantes. Isso sugere que, na infância, a imaginação é um poderoso meio de explorar e compreender o mundo, superando os limites da experiência física.

 

ARTIGO DE OPINIÃO : BAR MEMÓRIA - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Bar Memória

                Carlos Heitor Cony

        Era um botequim feio, muito feio mesmo. Três portas esquálidas, paredes encardidas, balcão sórdido com empadas sinistras, de longe se adivinhavam o mofo, as sombras, o vago cheiro de túmulo. O nome o salvava: Bar Memória. Nome inexplicável: o botequim nem merecia a classificação de bar. E por que memória? Quem nele se lembraria de alguém ou de alguma coisa? Pior: quem dele se lembraria?

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi62SCjrC30Pe-409djyxparc1SiX4MzA34dWu4x2dmb1R5jtExe1Vl3W4v0rs3vIKbo8MLvcsI1iPwwRv31f8mhrvlMJz20-Daplp_5RSGqW_BkdpoCnR6OvA9q6DrY2FOSbQTZVod6sYGSpi33wX__THTu54UX6U0QrvQ1gfsdb9uy_t2ntntL6xiQgs/s1600/images.jpg


        Sua importância era topográfica. Ficava numa terra-de-ninguém da cidade – cidade que cada vez mais se tornou terra-de-ninguém. Para os Correios e Telégrafos, o Bar Memória ficava no Jardim Botânico. Para os tributos estaduais e municipais, ficava na Gávea. Para a Receita Federal ficava na Lagoa. Policialmente, pertencia à 16a Delegacia, do Leblon. Para o Corpo de Bombeiros, era o Jóquei. O Tribunal Regional Eleitoral o alistou como reserva democrática do Horto.

        Sem sair do lugar, flutuando no chão da cidade, ele existia sem existir, escombro de um fantasma que não pertencia especificamente a nada e a ninguém. Espaço imponderável, um assassinato ali cometido, com um bom advogado a favor do criminoso, jamais seria punido: faltaria a localização exata para determinar o local do crime.

        Estava sempre vazio, nunca vi luz que aliviasse sua penumbra. À noite, ele continuava fiel à escuridão, duas ou três lâmpadas empoeiradas não iluminavam as paredes encardidas e tristes. A luz, trêmula e fria, tornava mais pesadas suas sombras.

        Pois o Bar Memória foi abaixo, esta semana. Nos jornais, a foto conseguia transmitir sua solidão de bar, sua escuridão de memória. A escavadeira do município rasgou sua carne cansada, estraçalhou seu ventre de trevas. O Bar Memória se desmanchou sem resistência, sem dar um grito.

        E como seu chão era imponderável, ele continuará imponderável. Ficará intacto no meio da nova pista que dará acesso à Barra. Não deixará saudade. Não deixará memória, o Bar Memória.

Carlos Heitor Cony.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 27.

Entendendo o artigo:

01 – Qual era a principal característica do Bar Memória, e como o autor a descreve?

      A principal característica do Bar Memória era sua extrema feiura e degradação. O autor o descreve como um "botequim feio, muito feio mesmo", com "três portas esquálidas, paredes encardidas, balcão sórdido com empadas sinistras", além de um "vago cheiro de túmulo" e penumbra constante.

02 – Por que o nome "Bar Memória" era irônico e inexplicável para o autor?

      O nome era irônico e inexplicável porque o bar era tão insignificante e desagradável que o autor questionava: "Quem nele se lembraria de alguém ou de alguma coisa? Pior: quem dele se lembraria?". O lugar não possuía qualidades que justificassem ser lembrado ou associado à memória.

03 – Como o texto explora a ideia de que o Bar Memória era uma "terra-de-ninguém"?

      O texto explora essa ideia através da confusão topográfica e burocrática do bar. Ele não pertencia a um único bairro ou jurisdição, sendo localizado em diferentes áreas (Jardim Botânico, Gávea, Lagoa, Leblon, Jóquei, Horto) por diferentes órgãos. Essa indefinição geográfica reforçava sua natureza de "escombro de um fantasma" e um "espaço imponderável".

04 – O que a demolição do Bar Memória simboliza, e qual o seu desfecho irônico?

      A demolição simboliza o fim de algo que já "existia sem existir", um escombro de um passado sem relevância. O desfecho é irônico porque, apesar de seu nome, o Bar Memória "não deixará saudade. Não deixará memória, o Bar Memória", ou seja, sua existência era tão efêmera e sem impacto que mesmo sua destruição não geraria lembranças.

05 – Qual a relação entre a falta de localização exata do Bar Memória e a impunidade de um possível crime?

      O autor sugere que a falta de localização exata tornava o bar um "espaço imponderável" onde um assassinato, se cometido, jamais seria punido. Isso porque, com um bom advogado, seria impossível determinar o "local exato do crime", aproveitando a ambiguidade geográfica do estabelecimento para fins jurídicos.

 

CRÔNICA: MAGIA E MILAGRE DA PALAVRA - FREI BETTO - COM GABARITO

 Crônica: Magia e milagre da palavra

        As palavras pesam. Talvez porque sejam a mais genuína invenção humana. Os papagaios não falam, apenas repetem. Não escapam de seus limites atávicos. Curioso é organismo humano não possuir um órgão específico da fala. O olho é a fonte da visão, como o ouvido, da audição. A língua facilita a deglutição, como a traqueia, a respiração. No entanto, a ânsia de expressar-se levou o ser humano a conjugar mente e boca, órgão da respiração e da deglutição, para proferir palavras.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUonCbrPkr4W_Bt9diBFddVtuOI8bhLNuUAB1EutnCWxatBcWmsfl837oIlPheXqMUBs2890RqbEzQ7ZLHV0YdfeQmGK86t0XcnpvpaWv8DhR-gf8WaIS6nb34jGKEqEHFWczunPPxQQam9vYIMyhVZg2_D-zT_criyrqjEoGQRWUwb6bnEQVqpa2wsKs/s320/maxresdefault.jpg


        "No princípio era o Verbo", reza o prólogo do evangelho de João. Deus é Palavra e, em Jesus, ela se faz carne. O mundo foi criado porque foi proferido: "E Deus disse: 'Haja a luz' e houve luz", conta o autor do Gênesis.

        Vivemos sob o signo da palavra. Unir palavra e corpo é o mais profundo desafio a quem busca coerência na vida. Há políticos e religiosos que primam pela abissal distância entre o que dizem e o que fazem. E há os que falam pelo que fazem.

        A palavra fere, machuca, dói. Proferida no calor aquecido por mágoas ou ira, penetra como flecha envenenada. Obscurece a vista e instaura solidão. Perdura no sentimento dilacerado e reboa, por um tempo que parece infinito, na mente atordoada pelo jugo que se impõe. Só o coração compassivo, o movimento anagógico e a meditação livram a mente de rancores e imunizam-nos da palavra maldita.

        Machado de Assis ensina que as palavras têm sexo, amam-se umas às outras, casam-se. O casamento delas é o que se chama estilo.

        A palavra salva. Uma expressão de carinho, alegria, acolhimento ou amor, é como brisa suave que ativa nossas melhores energias. Somos convocados à reciprocidade. Essa força ressurrecional da palavra é tão miraculosa que, por vezes, a tememos. Orgulhosos, sonegamos afeto; avarentos, engolimos a expressão de ternura que traria luz; mesquinhos, calamos o júbilo, como se deflagrar vida merecesse um alto preço que o outro, a nosso parco juízo, não é capaz de pagar. Assim, fazemos da palavra, que é gratuita, mercadoria pesada na balança dos sentimentos.

        Vivemos cercados de palavras vãs, condenados a uma civilização que teme o silêncio. Fala-se muito para dizer bem pouco. Nas músicas juvenis abundam palavras e carecem melodias. Jornais, revistas, tevê, outdoors, telefone, correio eletrônico – há demasiado palavrório. E sabemos todos que não se dá valor ao que se abusa.

        Carecemos de poesia. O poeta é um entusiasmado, no sentido grego de en + theós = com um deus dentro. Como sublinha Platão no lon, nele fala a divindade, o Outro. Em linguagem psicanalítica, fala o inconsciente. Como Orfeu, o poeta desce à noite dos infernos para recuperar Eurípides, o fantasma do desejo.

        Nossa lógica cartesiana faz do palavrório uma defesa contra o paradoxo. No entanto, sem paradoxo não há arte. O belo é irredutível à palavra, mas só a palavra expressa a estética. O silêncio não é o contrário da palavra. É a matriz. Talhada pelo silêncio, mais significado ela possui. O tagarela cansa os ouvidos alheios porque seu matraquear de frases ecoa sem consistência. Já o sábio pronuncia a palavra como fonte de água viva. Ele não fala pela boca, e sim do mais profundo de si mesmo.

        Há demasiado ruído em nós e em torno de nós. Tudo de tal modo se fragmenta que até a hermenêutica se cala. Hermes, o deus mensageiro, já não nos revela o sentido das coisas, mormente das palavras, que se multiplicam como vírus que esgarça o tecido e introduz a morte.

        Guimarães Rosa inicia Grandes sertões, veredas com uma palavra insólita: "Nonada". Não nada. Não, nada. Convite ao silêncio, à contemplação, à mente centrada no vazio, à alma despida de fantasias.

        Sabem os místicos que, sem dizer "não" e almejar o Nada, é impossível ouvir, no segredo do coração, a palavra de Deus que, neles, se faz Sim e Tudo, expressão amorosa e ressonância criativa.

Frei Betto.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 24-25.

Entendendo a crônica:

01 – Por que o autor afirma que "as palavras pesam" e qual a sua principal distinção em relação à comunicação animal?

      O autor afirma que "as palavras pesam" porque são a mais genuína invenção humana, distinguindo-nos dos animais. Enquanto papagaios apenas repetem sons e não escapam de seus limites atávicos, os humanos conjugam mente e boca para proferir palavras, revelando uma capacidade de expressão única e complexa que lhes confere peso e significado.

02 – Como o texto relaciona a palavra com a criação divina e a coerência humana?

      O texto relaciona a palavra com a criação divina ao citar "No princípio era o Verbo" e "E Deus disse: 'Haja a luz' e houve luz", indicando que a palavra divina tem poder criador. Para os humanos, a crônica destaca que unir palavra e corpo (fala e ação) é o maior desafio para alcançar a coerência na vida, contrastando com aqueles que demonstram uma "abissal distância" entre o que dizem e o que fazem.

03 – De que forma as palavras podem ferir e qual o caminho para superar esses impactos negativos?

      As palavras podem ferir profundamente, "machucando" e "doendo" como "flechas envenenadas" quando proferidas com mágoa ou ira, instaurando solidão e perdurando na mente com rancor. O caminho para superar esses impactos, segundo o autor, é o coração compassivo, o "movimento anagógico" (ascensão espiritual) e a meditação, que livram a mente de rancores e imunizam contra a "palavra maldita".

04 – Qual a "força ressurrecional" da palavra, segundo o autor, e por que, paradoxalmente, a tememos?

      A "força ressurrecional" da palavra reside em sua capacidade de salvar, acolher e ativar "nossas melhores energias" com expressões de carinho, alegria ou amor, promovendo a reciprocidade. Paradoxalmente, a tememos por orgulho, avareza ou mesquinhez, sonegando afeto e engolindo ternura, como se a palavra, que é gratuita, fosse uma "mercadoria pesada na balança dos sentimentos".

05 – Qual a crítica do autor à "civilização que teme o silêncio" e ao excesso de "palavrório"?

      O autor critica a civilização contemporânea que "teme o silêncio" e está condenada ao excesso de "palavrório", onde se fala muito para dizer pouco. Ele exemplifica isso com músicas juvenis sem melodia, e a superabundância de informações em mídias, concluindo que o valor é perdido quando há abuso, gerando um ambiente de "ruído" constante.

06 – Como a crônica diferencia o "tagarela" do "sábio" no uso da palavra, e qual o papel do silêncio nesse contexto?

      O tagarela "cansa os ouvidos alheios" com seu "matraquear de frases" que ecoam "sem consistência". O sábio, por outro lado, "pronuncia a palavra como fonte de água viva", falando "do mais profundo de si mesmo". O silêncio é apresentado não como o contrário da palavra, mas como sua matriz, sugerindo que a palavra "talhada pelo silêncio" possui mais significado e consistência.

07 – Qual o significado da referência a Guimarães Rosa e a palavra "Nonada" no final da crônica?

      A referência a Guimarães Rosa e a palavra "Nonada" ("Não nada. Não, nada.") em "Grandes sertões, veredas" serve como um convite ao silêncio, à contemplação e à mente centrada no vazio. Isso é uma metáfora para a busca mística do "Nada" (o "não" às fantasias e distrações) para, então, ouvir a "palavra de Deus" que se faz "Sim e Tudo" no segredo do coração, alcançando uma "expressão amorosa e ressonância criativa".

 

CRÔNICA: PAULO FREIRE: A LEITURA DO MUNDO - FREI BETTO - COM GABARITO

 Crônica: Paulo Freire: a leitura do mundo

        "Ivo viu a uva", ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor Paulo Freire, com o seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné-Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Ivo não viu apenas com os olhos. Viu também com a mente e se perguntou se uva é natureza ou cultura.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNfaafAvgrZ1TE7bkpSqoqKgWY32FgzGX4vYXC5awtNaG_3nNruW6DEjAl8gZ40Q_t2a31hhzMwEQSFUjbRC_JAh-8Q9psA3Gp8mPgCxdWrmBDfKppmeCJyd0x8eh-5jYXivsedZIdfPYCho5lOOpkij2ftTDiLjVeizJ9QOAIoxsl1txzbp3ooNJ9Tf4/s320/as-contribuicoes-de-paulo-freire-para-a-alfabetizacao-de-adultos.jpg


        Ivo viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É Criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Ivo que semear uva é ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multiferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeado pela natureza em anos e anos de evolução do Cosmo. Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire. O trabalho humaniza a natureza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se humanizam. Trabalho que instaura o nó de relações, a vida social. Graças ao professor, que iniciou sua pedagogia revolucionária com operários do Senai de Pernambuco, Ivo viu também que a uva é colhida por bóias-frias, que ganham pouco, e comercializada por atravessadores, que ganham melhor.

        Ivo aprendeu com Paulo que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa ignorante. Antes de aprender as letras, Ivo sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O médico, o advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não era capaz de construir como Ivo. Paulo Freire ensinou a Ivo que não existe ninguém mais culto do que o outro, existem culturas paralelas, distintas, que se complementam na vida social. Ivo viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhe os cachos, a parreira, a plantação inteira. Ensinou a Ivo que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida quanto mais se insere o texto no contexto do autor e do leitor. É dessa relação dialógica entre texto e contexto que Ivo extrai o pretexto para agir. No início e no fim do aprendizado é a práxis de Ivo que importa. Práxis-teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.

        Ivo viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva. O que Ivo vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Ivo um princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pesa onde os pés pisam. O mundo desigual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido. Resulta uma leitura tão diferente uma da outra como entre a visão de Ptolomeu, ao observar o sistema solar com os pés na Terra, e a de Copérnico, ao imaginar-se com os pés no Sol.

        Agora Ivo vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do fruto festa no cálice de vinho, mas já não vê Paulo Freire, que mergulhou no Amor na manhã de 2 de maio. Deixa-nos uma obra inestimável e um testemunho admirável de competência e coerência. Paulo deveria estar em Cuba, onde receberia o título de doutor honoris causa da Universidade de Havana. Ao sentir dolorido seu coração que tanto amou, pediu que eu fosse representá-lo. De passagem marcada para Israel, não me foi possível atendê-lo. Contudo, antes de embarcar, fui rezar com Nita, sua mulher, e os filhos, em torno de seu semblante tranquilo: Paulo via Deus.

Frei Betto.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 23-24.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal diferença entre o método tradicional de alfabetização ("Ivo viu a uva") e a pedagogia de Paulo Freire?

      A principal diferença é que, enquanto o método tradicional foca apenas no reconhecimento das letras e palavras, a pedagogia de Paulo Freire vai além, promovendo a conscientização e a "leitura do mundo". Freire ensinava Ivo a não apenas ver, mas a compreender criticamente as relações sociais e os contextos por trás da palavra.

02 – Como Paulo Freire utiliza o exemplo da "uva" para ensinar sobre a distinção entre natureza e cultura, e o papel do trabalho humano?

      Paulo Freire explica que a uva, em si, é natureza (Criação). No entanto, o trabalho humano de semear, colher, esmagar e transformar a uva em vinho representa a cultura. Esse processo demonstra como o trabalho humaniza a natureza e, ao mesmo tempo, humaniza o homem e a mulher, criando relações sociais.

03 – De que forma Paulo Freire desmistifica a ideia de "ignorância" em relação a pessoas que não sabem ler?

      Paulo Freire ensinou a Ivo que, mesmo sem saber ler, ele não era uma pessoa ignorante, pois possuía outros saberes, como o de erguer uma casa, tijolo a tijolo. Ele defendia que não existe ninguém mais culto do que o outro, mas sim "culturas paralelas, distintas, que se complementam na vida social", valorizando o conhecimento prático e contextual.

04 – Qual o conceito de "práxis" e sua importância no aprendizado, segundo a crônica?

      A "práxis" é a ação com reflexão (práxis-teoria-práxis), um processo indutivo que torna o educando um sujeito histórico. Na crônica, isso significa que a leitura de um texto se torna mais bem compreendida quando o leitor insere o texto no contexto do autor e no seu próprio, extraindo daí o "pretexto para agir", ou seja, para transformar sua realidade.

05 – O que o princípio epistemológico "a cabeça pesa onde os pés pisam" significa no contexto da leitura do mundo?

      Esse princípio significa que a percepção e a compreensão do mundo são influenciadas pela posição e experiência de cada indivíduo. A crônica exemplifica isso comparando a visão da uva por Ivo (que tem os pés no chão da realidade social) com a visão da ave (distanciada), ou a ótica do opressor e do oprimido, e até mesmo as visões de Ptolomeu e Copérnico sobre o sistema solar.

06 – Qual o significado do último parágrafo da crônica, que aborda o falecimento de Paulo Freire?

      O último parágrafo marca a perda física de Paulo Freire, mas também a permanência de seu legado. A menção à sua ida para o "Amor" e a uma "obra inestimável" ressalta a profundidade de sua filosofia e a coerência de sua vida. O fato de ele ter um convite para receber um título honoris causa em Cuba no dia de sua morte, e sua visão de Deus, reforçam a magnitude e a espiritualidade de sua figura.

07 – A crônica utiliza a repetição de "Ivo viu a uva" de forma proposital. Qual o efeito dessa repetição no texto?

      A repetição da frase "Ivo viu a uva" serve como um ponto de partida e um contraponto constante. Inicialmente, ela representa o ensino mecânico da alfabetização. Ao longo da crônica, a frase é retomada para mostrar as camadas de significado e conscientização que Paulo Freire adicionou a essa simples leitura, transformando-a em uma profunda análise da realidade social, cultural e epistemológica.

 

CRÔNICA: A DESINVENÇÃO - ANTÔNIO PRATA - COM GABARITO

 Crônica: A desinvenção

              Antônio Prata

        Há no sertão do Ceará uma pequena cidade chamada Salitre. Salitre tem pouco mais de 5 mil habitantes, que dormem, comem e amam em pequenas casas caiadas das mais diversas cores. Na rua atrás da igreja, entre a casa azul, de seu Dedé, e a casa amarela, de Dona Lurdes, há uma casa roxa.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgG0cd8vM8Ldrd2Y17spDKL8CDcSpzUgyAX71lGAGp54TtiiXUFngnam0cDhrC0kTAHLf2fwZo2_BDhhyphenhyphenDtzOFLMIB-0C7IkSx-Hlky5xByqZ3pgnv2PbYwrG9L3tNzfPPUlyRDx9boj_Xt88FSN6VZBVJFqzq8XFbQroICNqnQY152nEA7_Cyn2MHZpFw/s320/sddefault.jpg

        Na casa roxa mora o físico Anderson Motta do Nascimento. Desconhecido no Brasil, há poucas semanas Nascimento – como é chamado lá fora – vem causando calorosos debates na comunidade científica internacional, desde que apresentou sua tese no 28° Encontro Internacional de Física, na Bulgária. Anderson só conseguiu comparecer ao encontro graças à venda de três bodes, uma carroça e alguns sacos de feijão de corda, plantado nas últimas chuvas. No congresso, falando um russo fluente (coisa que mesmo os russos têm certa dificuldade em fazer), Anderson expôs sua invenção.

        Pelo que se tem comentado, trata-se da maior revolução tecnológica desde a invenção do pregador de roupas, e o brasileiro tem sido comparado a Sigmundo Bernstein, pai (e mãe) da tampa de rosca.

        Não é, na verdade, uma invenção, mas o contrário. Ele propôs, diante da plateia boquiaberta, nada menos que a desinvenção do carro. Segundo seu raciocínio, se o carro fosse desinventado, acabariam os acidentes de trânsito, uma vez que o próprio trânsito sumiria. Sem trânsito e sem a queima de combustíveis fósseis, o efeito estufa deixaria de existir, a poluição chegaria a níveis irrisórios (e risíveis) e o número de doenças pulmonares cairia drasticamente.

        Tendo que usar as pernas para a locomoção (coisa que, dizem alguns antropólogos, era costume em algumas tribos pouco desenvolvidas das Américas e da Polinésia), as pessoas seriam menos ansiosas, mais bonitas e saudáveis e o colesterol, numa visão otimista, também seria desinventado, ficando os enfartes, derrames e tromboses praticamente extintos.

        Sem a necessidade de asfalto por tudo que é lado, o solo poderia voltar a ser permeável e as enchentes nunca mais aconteceriam. A lista de benefícios que a desinvenção do automóvel traria é infinita, e não caberia num tratado, muito menos numa crônica.

        Empolgados com os estudos de nosso ilustre conterrâneo, cientistas já declaram estarmos vivendo uma mudança nos paradigmas da ciência. Entramos, segundo o historiador Eric Hobsbawn, na Era das Desinvenções – possível título de seu próximo livro.

        Boatos indicam que a NASA estaria estudando os impactos sociais da desinvenção do telefone, o que acabaria com a linha ocupada, os trotes, os enganos, as chamadas a cobrar e faria com que as pessoas, a cada vez que quisessem se falar, se encontrassem.

        Ninguém ousa ainda comentar o que acontecerá se as desinvenções forem levadas a cabo, mas em Salitre, Ceará, dentro das casas coloridas, onde os amigos e parentes de Anderson dormem, comem e amam, agora também se prepara muita buchada, jerimum e farofa para a chegada do filho pródigo na próxima semana. Pelo menos por ali, durante alguns dias, a rotina está sendo desinventada.

Antônio Prata.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 21-22.

Entendendo a crônica:

01 – Quem é Anderson Motta do Nascimento e qual a sua "invenção" apresentada na Bulgária?

      Anderson Motta do Nascimento é um físico desconhecido no Brasil, mas que ganhou notoriedade internacional ao apresentar, na Bulgária, a desinvenção do carro. Ele propôs que, se o carro fosse desinventado, uma série de problemas sociais e ambientais seriam resolvidos.

02 – Como Anderson Motta do Nascimento conseguiu financiar sua viagem ao congresso na Bulgária?

      Anderson só conseguiu comparecer ao encontro graças à venda de três bodes, uma carroça e alguns sacos de feijão de corda, que ele mesmo plantou. Isso ressalta a simplicidade e a origem humilde do personagem em contraste com a magnitude de sua ideia.

03 – Quais os principais benefícios que a desinvenção do carro traria, segundo o raciocínio de Anderson?

      A desinvenção do carro traria inúmeros benefícios, como o fim dos acidentes de trânsito e do próprio trânsito, a eliminação do efeito estufa e da poluição (com a queda drástica de doenças pulmonares), a melhora da saúde física e mental das pessoas (com a caminhada e a queda do colesterol) e a prevenção de enchentes (com o solo voltando a ser permeável).

04 – O que a menção a "Sigmundo Bernstein, pai (e mãe) da tampa de rosca" e ao "pregador de roupas" sugere sobre a "invenção" de Anderson?

      Essas comparações servem para exagerar, de forma bem-humorada, a grandiosidade e o impacto inesperado da "desinvenção". Assim como a tampa de rosca e o pregador de roupas foram inovações simples, mas revolucionárias, a ideia de Anderson, apesar de ser o oposto de uma invenção, é vista como algo de proporções igualmente transformadoras.

05 – Qual o novo "paradigma da ciência" que os estudos de Anderson Motta do Nascimento supostamente inauguraram?

      Os estudos de Anderson supostamente inauguraram a "Era das Desinvenções", um novo paradigma na ciência. Isso sugere uma mudança de foco da criação incessante para a reavaliação crítica e a possível eliminação de tecnologias que trouxeram mais problemas do que soluções.

06 – Que outros exemplos de "desinvenções" são citados ou especulados no texto?

      Além da desinvenção do carro, há boatos de que a NASA estaria estudando os impactos sociais da desinvenção do telefone. Essa "desinvenção" eliminaria problemas como linha ocupada e trotes, incentivando as pessoas a se encontrarem fisicamente para conversar.

07 – Como a rotina da cidade de Salitre se prepara para a chegada de Anderson, e o que isso simboliza no final da crônica?

      Em Salitre, amigos e parentes de Anderson se preparam com a organização de uma grande recepção, com buchada, jerimum e farofa. Isso simboliza que, mesmo antes da concretização das grandes "desinvenções", a própria rotina da cidade já está sendo "desinventada" por alguns dias, celebrando o retorno do "filho pródigo" e a esperança que sua ideia traz.

 

CRÔNICA: O PRAZER DA LEITURA - RUBEM ALVES - COM GABARITO

 Crônica: O prazer da leitura

               Rubem Alves

        Este texto, eu o dedico aos professores e professoras que fazem o que de mais importante existe na educação: seduzir as crianças para o prazer que mora nos livros.

        Alfabetizar é ensinar a ler. A palavra alfabetizar vem de "alfabeto". "Alfabeto" é o conjunto das letras de uma língua, colocadas numa certa ordem. É a mesma coisa que "abecedário". A palavra "alfabeto" é formada com as duas primeiras letras do alfabeto grego: "alfa" e "beta". E "abecedário", com a junção das quatro primeiras letras do nosso alfabeto: "a", "b", "c" e "d". Assim sendo, pensei a possibilidade engraçada de que "abecederizar", palavra inexistente, pudesse ser sinônima de "alfabetizar"...

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikZxyr649XDWhtr6f6-JuGa4x5GjQGGA-OnpIhaLmFC0wf1suujthqKssLVBlmACxjkfyqNbbUQjUtWO87oSY0XWXriTuAf-YDsAKYKMQSZHqbE67k5K3b46cd1hpI1ZA8wj9K7zJaLGF8TdONxSQBJtD3PZ74_7gFSJsOAIFl-yZ-aJ5kIVZzMNRzC9I/s320/como-alfabetizar-letrando.jpg


        "Alfabetizar", palavra aparentemente inocente, contém uma teoria de como se aprende a ler. Aprende-se a ler aprendendo-se as letras do alfabeto. Primeiro as letras. Depois, juntando-se as letras, as sílabas. Depois, juntando-se as sílabas, aparecem as palavras...

        E assim era. Lembro-me da criançada repetindo em coro, sob a regência da professora: "be-a-ba; be-e-be; be-i-bi; be-o-bo; be-u-bu"... Estou olhando para um cartão-postal, miniatura de um dos cartazes que antigamente se usavam como tema de redação: uma menina cacheada, deitada de bruços sobre um divã, queixo apoiado na mão, tendo à sua frente um livro aberto onde se vê "fa", "fe", "fi", "fo", "fu"... (Centro de Referência do Professor, Centro de Memória, Praça da Liberdade, Belo Horizonte, Minas Gerais).

        Se é assim que se ensina a ler, ensinando as letras, imagino que o ensino da música deveria se chamar "dorremizar": aprender o dó, o ré, o mi... Juntam-se as notas e a música aparece! Posso imaginar, então, uma aula de iniciação musical em que os alunos ficassem repetindo as notas, sob a regência da professora, na esperança de que, da repetição das notas, a música aparecesse...

        Todo mundo sabe que não é assim que se ensina música. A mãe pega o nenezinho e o embala, cantando uma canção de ninar. E o nenezinho entende a canção. O que o nenezinho ouve é a música e não cada nota, separadamente! E a evidência da sua compreensão está no fato de que ele se tranquiliza e dorme – mesmo nada sabendo sobre notas! Eu aprendi a gostar de música clássica muito antes de saber as notas: minha mãe as tocava ao piano e elas ficaram gravadas na minha cabeça. Somente depois, já fascinado pela música, fui aprender as notas – porque queria tocar piano. A aprendizagem da música começa como percepção de uma totalidade – e nunca com o conhecimento das partes.

        Isso é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a história. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. "Erotizada" – sim, erotizada! – pelas delícias da leitura ouvida, a criança se volta para aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro! Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está lendo.

        No primeiro momento as delícias do texto se encontram na fala do professor. Usando uma sugestão de Melanie Klein, o professor, no ato de ler para os seus alunos, é o "seio bom", o mediador que liga o aluno ao prazer do texto. Confesso nunca ter tido prazer algum em aulas de gramática ou de análise sintática. Não foi nelas que aprendi as delícias da literatura. Mas me lembro com alegria das aulas de leitura. As aulas de leitura ninguém faltava; ninguém falava. Queríamos ouvir a professora lendo. Antes de ler Monteiro Lobato, eu o ouvi. E o bom era que não havia provas sobre aquelas aulas. Era prazer puro. Existe uma incompatibilidade total entre a experiência prazerosa de leitura – experiência vagabunda! – e a experiência de ler a fim de responder questionários de interpretação e compreensão. Era sempre uma tristeza quando a professora fechava o livro...

        Vejo, assim, a cena original: a mãe ou o pai, livro aberto, lendo para o filho... Essa experiência é o aperitivo que ficará para sempre guardado na memória afetiva da criança. Na ausência da mãe ou do pai a criança olhará para o livro com desejo e inveja. Desejo, porque ela quer experimentar as delícias que estão contidas nas palavras. E inveja, porque ela gostaria de ter o saber do pai e da mãe: eles são aqueles que têm a chave que abre as portas daquele mundo maravilhoso! Roland Barthes faz uso de uma linda metáfora poética para descrever o que ele desejava fazer, como professor maternagem: continuar a fazer aquilo que a mãe faz. É isso mesmo: na escola, o professor deverá continuar o processo de leitura afetuosa. Ele lê: a criança ouve, extasiada! Seduzida, ela pedirá: "Por favor, me ensine! Eu quero poder entrar no livro por conta própria...".

        Toda aprendizagem começa com um pedido. Se não houver o pedido, a aprendizagem não acontecerá. Há aquele velho ditado: "E fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencer a égua a beber". Traduzido pela Adélia Prado: "Não quero faca nem queijo. Quero é fome". Metáfora para o professor: cozinheiro, Babette que serve o aperitivo para que a criança tenha fome e deseje comer o texto...

        Onde se encontra o prazer do texto? Onde se encontra o seu poder de seduzir? Tive a resposta para essa questão acidentalmente, sem que a tivesse procurado. Ele me disse que havia lido um lindo poema de Fernando Pessoa, e citou a primeira frase. Fiquei feliz porque eu também amava aquele poema. Aí ele começou a lê-lo. Estremeci. O poema – aquele poema que eu amava – estava horrível na sua leitura. As palavras que ele lia eram as palavras certas. Mas alguma coisa estava errada! A música estava errada! Todo texto tem dois elementos: as palavras, com o seu significado. E a música... Percebi, então, que todo texto literário se assemelha à música. Uma sonata de Mozart, por exemplo. A sua "letra" está gravada no papel: as notas. Mas, como partitura, a sonata não existe como experiência estética. Está morta. É preciso que um intérprete dê vida às notas mortas. Martha Argerich, pianista suprema (sua interpretação do concerto n.° 3 de Rachmaninoff me convenceu da superioridade das mulheres...), as toca: seus dedos deslizam leves, rápidos, vigorosos, vagarosos, suaves, nenhum deslize, nenhum tropeção: estamos possuídos pela beleza. A mesma partitura, as mesmas notas, nas mãos de um pianeiro: o toque é duro, sem leveza, tropeções, hesitações, esbarros, erros: é o horror, o desejo que o fim chegue logo.

        Todo texto literário é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele surfa sobre as palavras – a beleza acontece. O texto se apossa do corpo de quem ouve. Mas se aquele que lê não domina a técnica, se ele luta com as palavras, se ele não desliza sobre elas em "fortes" e "pianos" – a leitura não produz prazer: queremos que ela termine logo. Assim, quem ensina a ler, isto é, aquele que lê para que seus alunos tenham prazer no texto, tem de ser um artista. Só deveria ler aquele que está possuído pelo texto que lê. Por isso eu acho que deveria ser estabelecida em nossas escolas a prática de "concertos de leitura". Se há concertos de música erudita, jazz e MPB – por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos aprenderão a difícil e deliciosa arte de ler. E acontece, então, com a leitura, o mesmo que acontece com a música: depois de provar o seu gosto é impossível parar. Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é deles. Foram forçados a aprender tantas coisas sobre os textos – gramática, usos da partícula "se", dígrafos, encontros consonantais, análise sintática – que não houve tempo para serem iniciados na única coisa que importa: a beleza musical do texto literário: o aprendizado da anatomia do texto impede que se aprenda a erótica do texto. E esse aprendizado se inicia antes que as crianças saibam as letras. Sem que saibam as letras o seu corpo já é sensível à beleza que mora nos livros...

        APERITIVOS

        -- A menininha de nove anos me explicou como as crianças na sua escola aprendiam a ler: "Aqui na Escola da Ponte não aprendemos letras e sílabas. Só aprendemos totalidades...".

        -- "Analfabeto não é a pessoa que não sabe ler. É a pessoa que, sabendo ler, não gosta de ler." (Quem foi que disse isso? Acho que foi o Mário Quintana.)

        -- Os compositores colocam em suas partituras indicações para orientar o intérprete: lento, presto, adagio, alegretto, forte, piano, ralentando. Os escritores deveriam fazer o mesmo com os seus textos. Há textos que devem ser lidos lentamente, expressivamente, tristemente. Outros que exigem leveza, rapidez, riso. O leitor experiente não precisa dessas indicações. Mas elas poderiam ajudar os principiantes.

        -- "Mais valem dois marimbondos voando que um na mão" (Almanak do aluá).

        -- Graciliano Ramos relata que, quando menino, na escola, lhe ensinaram um ditado: "Fale pouco e bem e ter-te-ão por alguém". Ele repetia o ditado mas ficava com uma dúvida: "Quem será esse 'Tertião'?".

Rubem Alves.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 17-20.

Entendendo a crônica:

01 – A quem Rubem Alves dedica este texto e qual é a principal tarefa que ele lhes atribui?

      Rubem Alves dedica o texto aos professores e professoras. A principal tarefa que ele lhes atribui é seduzir as crianças para o prazer que mora nos livros, enfatizando que essa é a coisa mais importante na educação.

02 – Qual a crítica do autor à forma tradicional de ensinar a ler, baseada no significado da palavra "alfabetizar"?

      O autor critica a forma tradicional de ensinar a ler que foca primeiro nas letras, depois nas sílabas e, por fim, nas palavras, baseando-se na etimologia de "alfabetizar" (aprender o alfabeto). Ele a compara ironicamente ao ensino de música focado apenas nas notas, sem a experiência da melodia, sugerindo que essa abordagem não gera prazer nem compreensão real.

03 – Como Rubem Alves compara o aprendizado da leitura ao aprendizado da música?

      Ele compara o aprendizado da leitura ao da música, afirmando que ambos começam pela percepção de uma totalidade e não pelo conhecimento das partes. Assim como uma criança ouve e entende uma canção de ninar sem saber as notas, o prazer da leitura começa com a escuta fascinada da história, antes mesmo de conhecer as letras.

04 – O que o autor quer dizer com a expressão "Erotizada" pelas delícias da leitura ouvida?

      Com a expressão "Erotizada", o autor se refere à sensação de encantamento e atração intensa que a criança sente pelas histórias lidas em voz alta. Essa "erotização" é o desejo profundo de acessar o mundo de prazer que o livro oferece, levando a criança a querer decifrar as letras para ter autonomia na leitura.

05 – Qual o papel do professor como "seio bom" na visão do autor?

      O professor, no ato de ler para os alunos, atua como o "seio bom", uma metáfora de Melanie Klein. Isso significa que ele é o mediador inicial que conecta o aluno ao prazer do texto, nutrindo esse desejo pela leitura de forma afetiva e prazerosa, sem a imposição de avaliações.

06 – Qual a incompatibilidade que Rubem Alves aponta entre a leitura prazerosa e as práticas escolares comuns?

      O autor aponta uma incompatibilidade total entre a experiência prazerosa de leitura e a prática de ler para responder questionários de interpretação e compreensão. Para ele, a leitura para provas mata o prazer "vagabundo" (livre, descompromissado) da experiência literária.

07 – Segundo o autor, qual é o "aperitivo" essencial para despertar o desejo de ler nas crianças?

      O "aperitivo" essencial é a experiência original de um adulto (mãe, pai ou professor) lendo para a criança. Essa vivência afetiva e prazerosa de ouvir histórias cria um desejo e uma "fome" pela leitura, fazendo com que a criança queira, por si mesma, ter acesso a esse mundo.

08 – Como Rubem Alves explica a "música" presente em todo texto literário?

      Rubem Alves explica que todo texto literário tem dois elementos: as palavras (com seu significado) e a música. Ele compara o texto a uma partitura musical, onde as palavras são as notas. Para que o texto ganhe vida e produza prazer, é preciso que o leitor seja um "artista" que domine a técnica e "surfe" sobre as palavras, dando-lhes a melodia e a expressão adequadas.

09 – Qual a proposta do autor para ensinar a "difícil e deliciosa arte de ler"?

      O autor propõe o estabelecimento da prática de "concertos de leitura" nas escolas. Assim como há concertos de música, ele sugere que os alunos deveriam ouvir leituras artísticas e expressivas de textos literários. Através dessa audição prazerosa, os alunos seriam seduzidos e aprenderiam a "difícil e deliciosa arte de ler".

10 – Qual é a principal razão, segundo o autor, para que muitos jovens não gostem de ler?

      A principal razão, para Rubem Alves, é que os jovens foram forçados a aprender excessivamente sobre a "anatomia do texto" (gramática, análise sintática, etc.) em vez de serem iniciados na "beleza musical" ou na "erótica do texto". Essa abordagem excessivamente técnica impede o desenvolvimento do prazer pela leitura, que deveria começar antes mesmo do conhecimento das letras.