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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

POEMA: SONETO DE SEPARAÇÃO - VINICIUS DE MORAES - COM GABARITO

POEMA: SONETO DE SEPARAÇÃO
                 Vinícius de Moraes

De repente do riso se fez o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

                  MORAES, Vinícius de. Soneto de separação. In:_______.
                                 Poesia completa e prosa. 2. ed. Rio de Janeiro,
                                                                 Nova Aguilar, 1981. p. 226.

Entendendo o texto:

01 – O poema tem como título “Soneto de Separação”. De que tipo de separação ele trata? Justifique sua resposta com elementos do texto.
      Trata-se da separação entre um casal, em que as antíteses mostram o impacto da perda do amor na vida das pessoas: o riso torna-se pranto, traz a dor, a tristeza. A tragédia, que provoca o espanto, é constatar que toda essa transformação acontece de repente, em um breve instante.

02 – Chama-se antítese a figura de linguagem que se constrói a partir da oposição de ideias. Identifique no poema pelo menos dois pares de palavras ou expressões que formem antíteses.
      “Riso-pranto”; “Próximo-distante”.

03 – Em uma fase; resuma: como era a vida do eu lírico antes da separação e como é no presente?
      Antes da separação o eu lírico era feliz, realizado, calmo, e no presente é infeliz.

04 – Leia: “De repente da calma fez-se o vento, que dos olhos se desfez da última chama”. Quem “desfez” da última chama?
      O vento.

05 – O substantivo “chama” foi usado com sentido figurado. Explique seu significado.
      Quer mostrar a sensualidade e finitude do amor.   

06 - Por quê esse poema é chamado de soneto?
       Porque é formado por quatorze versos, assim dispostos: dois quartetos e dois tercetos.

07 – Em todo o poema, o autor emprega a antítese como figura de estilo. Com que finalidade?
       O poeta quer enfatizar os conflitos vividos pelo eu-lírico.

08 – O eu-lírico vivencia um conflito que atinge seu ápice num determinado momento do poema. Em que verso isso ocorre? Transcreva a palavra que conota esse clímax.
       Verso 8: “Drama”.

09 – Relacione as antíteses que ocorrem nos sete primeiros versos do poema (modelo: riso X pranto).
       Bocas unidas X espuma; mãos espalmadas X espanto; calma X vento; paixão X pressentimento.

10– Quais as consequências da separação no estado emocional do eu-lírico?
       O eu-lírico sente-se triste, só e instável.

11 – Observe a construção do texto, o tipo de composição, a métrica dos versos, o vocabulário e a sintaxe. Identifique a que representantes da tradição literária – clássicos, românticos, realistas, simbolistas – o poema está ligado, justificando com elementos dos textos.
      O poema está ligado à tradição clássica, uma vez que faz uso do soneto, do verso decassílabo e têm uma sintaxe e um vocabulário apurados.

12 – A beleza do poema se deve, em grande parte, ao emprego de recursos sonoros e de imagens construídas a partir de comparações, metáforas, antíteses e outras figuras.
a)   Destaque da primeira estrofe um exemplo de aliteração e outro de comparação.
Aliteração: branco, bruma, bocas / pranto, espuma, espalmadas, espanto; Comparação: “[...] pranto / Silencioso e branco como a bruma”.

b)   Identifique a figura de linguagem a partir da qual, para estabelecer a oposição entre o passado e o presente, é construído todo o texto.
Antítese.

13 – O texto, reitera a oposição entre como era no passado e como é no presente.
a)   Caracterize cada um desses momentos.
Antes, tudo era bom; havia o riso, o beijo, a paixão, a alegria, etc. O presente é ruim, o oposto do passado: há pranto, espanto, pressentimento, drama, etc.

b)   Além da oposição entre passado e presente, por várias vezes é repetida a expressão “de repente”. Com que finalidade essa expressão foi empregada repetidamente?
Para acentuar o espanto causado pela separação inesperada.

14 – Às vezes, para descrever certos estados emocionais, a linguagem denotativa não é suficiente. O poeta emprega, então, a linguagem figurada, conotativa, poética. As figuras, nesse caso, contribuem para exprimir o que é quase inexprimível. Observe estes versos: “De repente da calma fez-se o vento
              Que dos olhos desfez a última chama.”
             “Fez-se da vida uma aventura errante.”
a)   Qual é a figura de linguagem existente nos trechos destacados? 
A metáfora.

b)   Traduza em linguagem denotativa o sentido dessas figuras.
No 1° fragmento, “o vento” significa a separação; “a última chama dos olhos” se refere ao resto do amor que havia entre os amantes.
No 2° fragmento, “uma aventura errante” sugere que, depois da separação, a vida ficou sem rumo, perdeu o sentido.

15 – Aliteração é um recurso de linguagem construído a partir da repetição de um mesmo fonema consonantal. Releia a 1ª estrofe da poesia e verifique se nela há aliteração. Se houver, indique quais são os fonemas consonantais que se repetem.
      Sim. Há aliteração; do fonema /p/: pranto, espuma, espalmadas, espanto; do fonema /b/: branco, bruma, bocas; do fonema /R/: repente, riso; e do fonema /r/: pranto, branco, bruma.

16 – Observe nas colunas abaixo os elementos que existiam antes e os que passaram a existir depois da separação:
Antes                           X            Agora
Riso                              X            pranto.
Bocas unidas               X            espuma.
Mãos espalmadas       X            espanto.

a)   As palavras e expressões da primeira coluna correspondem a elementos que faziam parte do estado de espírito em que se encontrava o eu lírico antes da separação. Qual é esse estado de espírito?
Alegria.

b)   As palavras da segunda coluna, por sua vez, correspondem a elementos que passaram a fazer parte do estado de espírito do eu lírico após a separação. Qual é esse estado de espírito?
Tristeza.

c)   Qual é a figura de linguagem que sugere, por meio das partes (riso, bocas, mãos), o todo?
A metonímia.

17 – O trecho “fez-se o pranto / Silencioso e branco como a bruma” apresenta uma figura de linguagem.
a)   Qual é a figura existente na parte destacada?
Comparação.

b)   Lido sem a parte destacada, esse trecho se torna menos ou mais forte, concreto e expressivo?
Torna-se menos forte, menos concreto, menos expressivo.

18 – Em quase todo o texto, o poeta faz uso da figura chamada inversão, que consiste no uso dos termos de uma oração em uma direta correspondente:
“De repente do riso fez-se o pranto” – O pranto fez-se do riso de repente.
“Que dos olhos desfez a última chama” – Que desfez a última chama dos olhos.
“Fez-se de triste o que se fez amante” – O que se fez amante fez-se de triste.
Considerando-se que a poesia é construída com base na oposição entre a vida do eu lírico antes e depois da separação, que relação há entre a inversão e as duas situações retratadas?
      Também o eu lírico se encontra numa situação inversa à que vivia antes.

19 – Observe que a expressão de repente é empregada quatro vezes em início de verso. A esse tipo de repetição, chamamos anáfora. Considerando-se as ideias gerais da poesia, o que essa repetição revela quanto ao modo como o eu lírico se sente?
      O eu lírico parece não aceitar o fato de que tudo o que existia – amor intenso, amizade, paixão, harmonia, etc. – acabou de repente, num único instante, o instante da separação. A repetição enfatiza essa expressão.

20 – Se quiséssemos resumir as principais ideias da poesia em linguagem denotativa, teríamos um enunciado mais ou menos assim:
       Antes, com a pessoa amada, tudo era alegria e harmonia. Depois, sozinho, tudo virou tristeza e desolação.

Compare a poesia com esse enunciado e indique qual ou quais das afirmações seguintes são verdadeiras quanto ao papel das figuras de linguagem na construção de um texto poético.
(X) O texto figurado é mais carregado de emoções do que o texto denotativo.
(X) As figuras de linguagem criam imagens que aguçam a imaginação do leitor.
(X) As figuras de linguagem criam uma atmosfera envolvente, que faz o leitor se aproximar mais do texto.
(X) O texto figurado é fruto de um trabalho artístico, que não visa apenas informar, mas também envolver, emocionar o interlocutor.




ARTIGO DE OPINIÃO: A FADIGA DA INFORMAÇÃO - GILBERTO DIMENSTEIN - COM GABARITO

ARTIGO DE OPINIÃO: A FADIGA DA INFORMAÇÃO
                                         Gilberto Dimenstein

        Há uma nova doença no mundo: a fadiga da informação. Antes mesmo da internet, o problema já era sério, tantos e tão velozes eram os meios de informação existentes, trafegando nas asas da eletrônica, da informática, dos satélites. A internet levou o processo ao apogeu, criando a nova espécie dos internautas e estourando os limites da capacidade humana de assimilar os conhecimentos e os acontecimentos deste mundo. Pois os instrumentos de comunicação se multiplicaram, mas o potencial de captação do homem – do ponto de vista físico, mental e psicológico – continua restrito. Então, diante do bombardeiro crescente de informações, a reação de muitos tende a tornar-se doentia: ficam estressados, perturbam-se e perdem em eficiência no trabalho.
        Já não se trata de imaginar que esse fenômeno possa ocorrer. Na verdade, a síndrome da fadiga da informação está em plena evidência, conforme pesquisa que acaba de ser feita, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países, junto a 1.300 executivos. Entre os sintomas da doença apontam-se a paralisia da capacidade analítica, o aumento das ansiedades e das dúvidas, a inclinação para decisões equivocadas e até levianas.
        Nada avançou tanto no mundo como as comunicações. Pouco durou, historicamente, para que saíssemos do isolamento para a informação globalizada e instantânea. Essa revolução teria inegavelmente de gerar, ao lado dos efeitos mágicos e benfazejos, aqueles que provocam respostas de perplexidade no ânimo público e das pessoas em particular. Choques comportamentais e culturais surgem como subprodutos menos estimáveis desse impacto modernizador, talvez por excessiva celeridade no desenrolar de sua evolução.
        Curiosamente, a sobrecarga de informações pode redundar em desinformação. Recebíamos antes a notícia do dia e podíamos ruminá-la durante horas. Hoje temos a notícia renovada e modificada a cada segundo, acompanhando em tempo real o desdobramento dos fatos e das decisões, o que rapidamente envelhece a informação transmitida e nos deixa sem saber, afinal, qual a versão mais próxima da realidade no momento. As agências noticiosas não dispõem de tempo para maturar o seu material, há que lança-lo logo ao consumo – mesmo sob o risco de uma divulgação incompleta ou deformada, avizinhada do boato.
        Há 30 anos, o então estreante Caetano Veloso perguntava numa das estrofes de sua famosa canção Alegria, alegria: “Quem lê tanta notícia?”. Presentemente a oferta de informações, só nas bancas de jornais, deixaria ainda muito mais intrigado o poeta do tropicalismo. Além da televisão aberta, a TV por assinatura põe o telespectador diante da opção de centenas de canais. Há emissoras nacionais e estrangeiras, de rádio e de TV, dedicadas exclusivamente a transmitir notícias. O CD-ROM ampliou consideravelmente a dimensão multimídia do computador. O fax e o correio eletrônico deixaram para trás o telefone, o telegrama e todos os meios de comunicação postal.
        A massa de informações gerais ou especializadas contida na imprensa diária exigiria um super-homem para absorvê-la. E, a cada dia, jornais e revistas se enriquecem de suplementos e de encartes pedagógicos e culturais.
        É claro que esse processo não vai estancar e muito menos regredir. A informação não poderia estar à margem do mercado competitivo. Não há dúvida, porém, de que precisamos aprender a filtrá-la, a ajustá-la ao nosso metabolismo de público-alvo. A eletrônica e a informática estão a nosso serviço, mas não substituem as limitações orgânicas, cerebrais e emocionais do homem. A informação nos faz sentir as dores do mundo, onde quer que ocorram sob a forma de calamidades, tragédias, adversidades coletivas ou individuais. Ou buscamos um equilibrado “modus vivendi” com as pressões da prodigiosa tecnologia da comunicação, ou o feitiço vira contra o feiticeiro. O oxigênio da informação, sem o qual no passado recente não conseguiríamos respirar, terá de ser bem inalado para não nos ameaçar com a asfixia, o estresse, as neuroses e, quem sabe, o infarto.
                                 
                 Revista da Comunicação, ano 12, n. 46, p. 20. nov. 1996.
MARZAGÃO, Augusto. In: DIMENSTEIN, Gilberto. Aprendiz do futuro: cidadania hoje e amanhã. São Paulo: Editora Ática, 1999.

Entendendo o texto:

01 – Quais são as causas da chamada fadiga da informação? Como ela se manifesta nas pessoas?
       As causas da fadiga da informação: principalmente o desenvolvimento dos meios de informação eletrônicos, informáticos, por satélites. A internet, em especial.
       As pessoas com fadiga da informação tendem a ficar estressadas, perturbam-se e perdem em eficiência no trabalho. Pesquisas feitas em vários países mostram que entre os sintomas da doença estão a paralisia da capacidade analítica, o aumento das ansiedades e das dúvidas, a inclinação para decisões equivocadas e até levianas.

02 – Por que a sobrecarga de informações pode redundar em desinformação?
       4º parágrafo – A sobrecarga de informações leva à desinformação porque não temos mais tempo para ruminar as informações que recebemos em tempo real. A informação envelhece rapidamente e, com isso, ficamos sem saber a versão mais próxima da realidade do momento.

03 – O autor analisa os impactos da sobrecarga de informações no mundo moderno: aponta seus efeitos negativos, mas não deixa de ressaltar seus efeitos positivos. Localize afirmações do texto em que ele valoriza a disseminação da informação.
       Estão no 5º parágrafo as afirmações dele que valorizam a disseminação da informação permitida pelo desenvolvimento da tecnologia.

04 – Considerando que esse processo de disseminação acelerada das informações só tende a aumentar, como devemos proceder para que ele não nos asfixie?
       Precisamos aprender a filtrá-la, a ajustá-la ao nosso metabolismo de público-alvo.


ARTIGO DE OPINIÃO: O "IDION" E O "IDIOTES" - LEONARDO KONDER - COM GABARITO

ARTIGO DE OPINIÃO: O “IDION” E O “IDIOTES”
                                         Leonardo Konder


       Quando duas pessoas querem dialogar, duas condições prévias são imprescindíveis:
 1) que elas sejam indivíduos diferentes;
 2) que elas tenham alguma coisa em comum.
        Se não houver nenhuma diferença significativa, se as duas disserem exatamente a mesma coisa, cada uma delas repetindo o que a outra acabou de dizer, teremos não um diálogo, mas um monólogo a duas vozes.
         Por outro lado, se os dois parceiros do diálogo forem tão completamente diferentes que não tenham sequer um ponto de encontro e nem mesmo consigam falar a mesma língua, o diálogo se torna inviável.
        O indivíduo é o ser singular, tem uma identidade que o distingue de todos os outros, uma personalidade própria (é o que os antigos gregos chamavam de “idion”). No entanto, esse “idion” existe em um constante intercâmbio com os outros, é formado pela sociedade, depende do grupo. Leva um tempão para aprender a andar, a falar; e muito mais tempo ainda para aprender a lutar pela vida, a sobreviver por conta própria. Existe, portanto, em comunidade (o que os antigos gregos chamavam de “Koinomia”).
        Nas atuais condições históricas, a importância da autonomia individual é sublinhada pela onda de individualismo que se nota na cultura dita “pós-moderna”. Com boas razões, as pessoas repelem a pressão que as tenta anexar a coletividades estruturadas de forma sufocante.
        Querendo ou não, pertencemos todos a uma vasta comunidade: o gênero humano. Mas a humanidade é grande demais, não conseguimos enxergá-la. Recorremos, então a comunidades menores, que substituem a espécie humana. Uns se integram em (ou se entregam a?) partidos políticos, outros a organizações religiosas, muitos se contentam em pertencer a um clube de futebol ou a uma escola de samba, alguns se definem como sócios de um clube ou membros de uma corporação profissional. Isso pode ser bom ou pode ser ruim, dependendo do espírito com que o sujeito vive sua pertinência à “pequena comunidade”:  com espaço para a tolerância, o diálogo e o humor.
        Mas há gente que se recusa a participar de qualquer “koinonia” e insiste em ser apenas um indivíduo isolado. O preço pago por essa opção individualista drástica costuma ser alto. O sujeito posto em estado de solidão pode pensar que está desenvolvendo uma reflexão original, profunda, enriquecedora, no entanto pode estar somente emburrecendo, por falta de interlocutores. Vale a pena lembrarmos que os antigos gregos já alertavam para esse risco: no idioma deles, o superlativo de “idion” (singular) era “idiotes”.
        O indivíduo singular é formado socialmente, ele se individualiza na relação com os outros. Sua singularidade (originalidade?) se desenvolve com base na incorporação crítica das experiências alheias, num movimento incessante de ir ao outro para crescer. O “idiotes” é o sujeito que, instalado em si mesmo, se sente dispensado de qualquer esforço de auto superação.
        A rigor, se trata de alguém que não suporta o diálogo com o outro, já que o outro, o interlocutor que pensa diferente, lhe parecerá sempre o agente de um desacato, a encarnação de um desaforo, um delinquente, que merece sofrer medidas policiais.
        Dispor-se ao diálogo, tentar falar para o outro, já é uma opção promissora, que pode ter preciosas implicações humanistas e democráticas. Para prosseguir no caminho dialógico, o sujeito precisa aprimorar sua capacidade de argumentar ad hominem, quer dizer, sua capacidade de falar de modo razoável, em termos que seu interlocutor – com base no que já sabe – possa entender.
        Debruçando-se autocriticamente sobre si mesmo, o sujeito que se dispõe a trilhar o caminho do diálogo precisa tentar reexaminar sua inserção em grupos, coletividades, comunidades que eventualmente lhe servem como substitutas da espécie humana (dentro de certos limites, é claro).
        Precisa verificar, no diálogo, se tem sido e continua a ser um bom companheiro de partido, um correligionário maduro e consciencioso, um parceiro leal e correto, um colega bem-educado e cordial, ou se às vezes tropeça em atitudes intolerantes e fanáticas, em azedumes ou mesquinharias, cultivando mal-entendidos em vez de contribuir para proporcionar esclarecimentos.
       Precisa, também, de tempos em tempos, observar criticamente a coletividade em que está inserido, para ver se ela está proporcionando aos seus integrantes possibilidades concretas de eles combinarem suas respectivas singularidades com meios concretos de uma inserção mais efetiva – mais universal! – no movimento social.
        Essa inserção é fundamental. Depois de ter sido formado pela sociedade, o indivíduo passa a se orientar livremente, a fazer escolhas pelas quais é responsável, e é desafiado a participar ativamente da transformação da sociedade que o formou. As associações que até certo ponto funcionam como substitutas do gênero humano devem oferecer a seus membros possibilidades concretas de pensarem e agirem sem estreitezas ideológicas, na condição de cidadãos do mundo, de representantes da humanidade.
        Se não fazem isso, essas associações podem atrapalhar a formação de uma consciência humanista e democrática. Se, contudo, se abrem para o convívio jovial com a ampla diversidade da condição humana, elas ajudam muito a fortalecer o espírito da democracia. E mantêm vivo o espírito do humanismo.

      KONDER, Leonardo. O “idion” e o “idiotes”, 7 set. 2002. Disponível em:
                  http://www.jbonline.terra.com.br/jb/papel/colunas/Konder.
                                                                     Acesso em: 31 jul. 2009.
Entendendo o texto:

01 – Qual é a tese principal do texto de Leandro Konder?
       Sua tese principal é o que está resumido no título: a questão do indivíduo (“idion”) e a crítica da pessoa excessivamente individualista (“idiotes”).

02 – Segundo o autor, para duas pessoas dialogarem efetivamente, há duas condições. Quais são elas? Por que elas são necessárias?
       As duas condições para duas pessoas dialogarem são: a) que elas sejam indivíduos diferentes; e b) que elas tenham algo em comum. Se não tiverem nada de diferente, uma será apenas a repetição da outra; se não tiverem nada em comum, não há como aproximá-las – 1º, 2º e 3º parágrafos.

03 – Ele afirma que somos seres que se agregam em comunidades. Isso pode ser bom ou ruim. Quando é bom? Por quê?
       É bom quando a pessoa se relaciona na comunidade com uma atitude de tolerância, diálogo e humor. Só assim haverá espaço de convívio democrático – 6º parágrafo.

04 – Por que o autor afirma que é alto o preço de uma opção individualista drástica de vida?
       Porque a falta de interlocução nos emburrece – 7º parágrafo.

05 – Como podemos interpretar a afirmação de que o indivíduo se individualiza na relação com os outros?
       É no contato com os outros que nos desenvolvemos porque podemos incorporar criticamente as experiências alheias – 8º parágrafos.

06 – Você certamente conhece pessoas que “não suportam o diálogo” no sentido apresentado no texto. O que leva uma pessoa a ter essa atitude?

       A não percepção da importância do outro para nosso próprio desenvolvimento e o desprezo pelos que pensam diferente – 8º e 9º parágrafos.

EDITORIAL: ENTRE CÃES E HOMENS - COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO


EDITORIAL: ENTRE CÃES E HOMENS

     O tema é menor, mas não os princípios que existem por trás dele. A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou projeto de lei que proíbe comercialização, reprodução e importação em todo o Estado de cães das raças pitbull, rottweiler e mastim napolitano, tidas como especialmente agressivas. Para entrar em vigor, o texto precisa da sanção do governador Geraldo Alckmin.
        A proposta dos deputados estaduais parece excessiva. É verdade que, no caso dos cães, a raça surge como fator determinante para sua aparência e também para seus comportamentos. Ainda assim, como os humanos, cachorros tem a sua individualidade. Dois cães da mesma raça, da mesma ninhada até, podem apresentar personalidades distintas.
        Como os humanos, as características de um cachorro são o produto da interação entre o potencial genético do animal e o meio em que ele vive. Embora pitbull tendam a ser agressivos, não há lei natural que impeça a existência de um pitbull dócil ou de um lulu-da-pomerânia agressivo. O caráter de cada animal depende também da educação que recebe.
        A Assembleia Legislativa paulista, ao optar por solução radical e terminativa, trilha o caminho da intolerância. Ninguém discorda de que a prioridade é proteger a vida e a integridade de seres humanos, mas a melhor forma de fazê-lo não é condenando essas três raças ao desaparecimento.
        O melhor caminho para evitar ataques caninos é responsabilizar os donos pelos atos de seus animais, para o que já existem os instrumentos jurídicos. Cabe fazer cumpri-los.

                           Folha de São Paulo, 19 set. 2002. Caderno A, p. 2.

Entendendo o texto:

01 – Vamos analisar, de saída, a opinião expressa no texto e os argumentos que a sustentam:
a)   O jornal é favorável ou contrário ao projeto dos deputados paulistas?
           O jornal é contrário ao projeto. – 4º e 5º parágrafos.

b)   Que argumentos o jornal apresenta para sustentar sua opinião?
           O argumento principal é o de que os cães de uma determinada raça não são todos necessariamente agressivos: as características de um cachorro são o produto da interação entre o potencial genético do animal e o meio em que vive.

02 – Vamos, agora, confrontar o texto que lemos com as recomendações do Manual:
a)   O editorial apresenta com concisão a questão de que vai tratar? Em que ponto do texto?
            Sim, o jornal apresenta, no 1º parágrafo, seu tema com concisão.

b)   O editorial é enfático e equilibrado? Demonstre o sim ou o não com exemplos do texto.
            É enfático (no 4º parágrafo, por exemplo, afirma que a Assembleia Legislativa paulista, ao optar por solução radical e terminativa, trilha o caminho da intolerância; e, no 5º parágrafo, afirma que o melhor caminho para evitar ataques caninos é responsabilizar os donos pelos atos de seus animais). É também equilibrado quando, por exemplo, no 2º parágrafo diz que a proposta dos deputados estaduais parece excessiva.

c)   O editorial refuta as opiniões opostas? Aponte exemplos no texto.
            Sim. No 2º parágrafo, por exemplo, o texto concorda que, nos cães, a raça é fator determinante para sua aparência e comportamento. No entanto, contra argumenta que, apesar disso, cachorros tem sua individualidade. No 4º parágrafo, afirma que ninguém discorda de que a prioridade é proteger a vida e a integridade dos seres humanos, mas discorda de que o melhor caminho para resolver o problema seja condenar as três raças caninas ao desaparecimento.

d)   O editorial evita o sarcasmo, a interrogação e a exclamação?
            Sim.

e)   O editorial conclui condensando a posição adotada pelo jornal? Para verificar isso, responda à pergunta: qual é a posição do jornal sobre o caso?
            Sim. No último parágrafo, está sintetizada a opinião do jornal sobre a proposta dos deputados – o melhor caminho é responsabilizar os donos pelos atos de seus animais e, para isso, já existem os instrumentos jurídicos. Basta cumpri-los.


sábado, 27 de janeiro de 2018

FÁBULA: DOIS LEÕES - STANISLAW PONTE PRETA - COM GABARITO

FÁBULA: DOIS LEÕES
                    STANISLAW PONTE PRETA

  Diz que eram dois leões que fugiram do jardim zoológico. Na hora da fuga cada um tomou um rumo, para despistar os perseguidores. Um dos leões foi para as matas da Tijuca e outro foi para o centro da cidade. Procuraram os leões de todo jeito mas ninguém encontrou.
    Vai daí, depois de uma semana, para surpresa geral, o leão que voltou foi justamente o que fugira para as matas da Tijuca. Voltou magro, faminto e alquebrado. Foi preciso pedir a um deputado que arranjasse vaga para ele no jardim zoológico outra vez, porque ninguém via vantagem em reintegrar um leão tão carcomido assim. E, como deputado arranja sempre colocação para quem não interessa colocar, o leão foi reconduzido à sua jaula.
        Passaram-se oito meses e ninguém mais se lembrava do leão que fugira para o centro da cidade quando, lá um dia, o bruto foi recapturado. Voltou para o jardim zoológico gordo, sadio, vendendo saúde.
        Mal ficaram juntos de novo, o leão que fugira para as florestas da Tijuca disse para o coleguinha: - Puxa, rapaz, como é que você conseguiu ficar na cidade esse tempo todo e ainda voltar com essa saúde? Eu, que fugi para as matas da Tijuca, tive que pedir arrego, porque quase não encontrava o que comer, como é então que você... vá, diz como foi.
        O outro leão então explicou:- Eu meti os peitos e fui me esconder numa repartição pública. Cada dia eu comia um funcionário e ninguém dava por falta dele.
        --- E por que voltou pra cá? Tinham acabado os funcionários?
        --- Nada disso. O que não acaba no Brasil é funcionário público. É que eu cometi um erro gravíssimo. Comi o diretor, idem um chefe de seção, funcionários diversos, ninguém dava por falta. No dia em que eu comi o cara que servia o cafezinho... me apanharam.

      PONTE PRETA, S. Gol de padre e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2007.

Entendendo a fábula:

01 – Sobre as críticas inferidas da fábula, marque V para as verdadeiras e F para as falsas.
(  ) A enorme quantidade de funcionários públicos.
(  ) A força do imposto de renda representado pela figura do leão.
(  ) A importância do cafezinho em repartição pública.
Assinale a sequência correta.
[A] V, V, V
[B] F, V, F
[C] F, F, F
[D] V, F, V
[E] F, V, V

02 – No texto, a figura pública de deputado é vista como a que:
[A] oferece trabalho a correligionários por quem ele se interessa.
[B] trabalha como funcionário público representando pessoas que o elegeram.
[C] emprega pessoas em repartição pública mesmo que não seja necessário.
[D] divide com seus assessores o ganho relativo a projetos da área social.
[E] todas as respostas.



CRÔNICA: VIDA EM FAMÍLIA - CARLOS EDUARDO NOVAES - COM GABARITO

CRÔNICA: Vida em família
                Carlos Eduardo Novaes
        [...]

  Julinho provoca o pai que mal desviou o olhar do prato à sua chegada.
   A provocação dissimulada era uma das táticas preferidas de guerrilha familiar no confronto não-declarado com Alberto, em constante desacordo sobre sua forma de viver e pensar o mundo.
    O garoto permanecia ali, imóvel, expondo-se como um manequim de vitrine e nem Vera nem Alberto percebiam seus pés descalços.
    Entre dentadas e comentários tão triviais quanto o repasto, a mãe anunciou uma surpresa, mas antes que pudesse dizê-la, o filho agitou os dedos do pé, acenando para sua desatenção.

        — Você está sem sapatos, filho! Que houve?
        Julinho esboçou um sorriso sarcástico, agradecendo enfim pela observação, fixou o polegar esquerdo na palma da mão direita e girou os dedos no clássico gesto que significa “roubo”. Vera pulou da cadeira:
        — Meu Deus! Você foi assaltado!
        — De novo? — reagiu o pai, largando o osso e chupando os dedos.
        — Foi agora? Como? Onde? Fala! Diz!
        — O pivete me abordou ali na ciclovia da Lagoa e com uma faca nas mãos mandou que eu tirasse o tênis.
        — Tênis? Aquele tênis que eu trouxe dos Estados Unidos mês passado? – assombrou-se o pai. — Que custou uma fortuna...?
        O garoto concordou com a cabeça, sem dizer palavra, sem alargar os gestos, represando emoção. Era o terceiro assalto que sofria e, para quem acabara de ver o brilho de uma lâmina espetando-lhe as costelas, demonstrava uma tranquilidade irritante. Talvez por entender que os assaltos são parte da rotina da vida. Talvez por desconhecer o preço de um tênis Platinum, de série limitada.
        Julinho tornava-se espectador da sua própria cena. Enquanto os pais discutiam o melhor comportamento a seguir diante de um assaltante empunhando uma arma branca, ele revia seu algoz na telinha da imaginação.
        Uma visão parcial, encoberta pelas sombras da noite que não lhe permitiam distinguir outros traços além dos olhos verdes e a cara de lua cheia. O garoto já o percebera antes, no mesmo local, sempre sozinho, a olhar o céu, distraído demais para infundir temor aos passantes. Desta vez, o mulato alto e magro como Julinho fazia-se acompanhar por um bando de meninos maltrapilhos que, bem mais baixos, lembravam jogadores de um time infantil à volta de um treinador adulto. O garoto surpreendeu-se com a abordagem, é fato, mas muito mais com o comportamento do assaltante que parecia ensinar aos pirralhos o modo correto de praticar um assalto.
        — E vai ficar por isso mesmo? — a voz de Alberto adquiriu um tom de afronta.
        Julinho respondeu com um leve movimento de ombros, murmurando por entre os dentes: “Deixa pra lá, pai”. Foi o que faltava para Alberto pôr sua raiva em movimento:
        — Deixa pra lá? Você fala assim porque o dinheiro não sai do seu bolso. É por isso que a violência não diminui.
        Ninguém dá queixa. Ninguém faz nada. Todo mundo deixa pra lá! Eu não vou deixar! Eu não vou deixar! — e repetiu escandindo as sílabas:
        — Não vou deixar!
        O garoto ouviu-o impassível, sem autoridade para contestá-lo, mas Vera reagiu chamando o marido à razão:
        — Alberto! Você não vai sair por aí feito um maluco por causa de um par de tênis!
        — Podia ser um grampo! — esbravejou. — De hoje em diante, vou atrás do que é meu, seja lá o que for. Não aguento mais ser saqueado por essa bandidagem. Já foi carro, relógio, bolsa, rádio...
        Alberto ajeitou-se na cadeira e, assumindo ares de delegado de polícia, espetou o dedo indicador na mesa perguntando ao filho em que ponto da ciclovia exatamente ocorreu o assalto. Julinho preferiu baixar os olhos e continuar em silêncio, que ele conhecia muito bem o temperamento do pai e não queria vê-lo envolvido em mais violência. Alberto aguardou a resposta e, sem obtê-la, ergueu-se impetuoso:
        — Muito bem! Você não diz, mas eu vou descobrir. Vou à Polícia, à Interpol, ao Exército, onde for preciso, mas vou trazer esse tênis de volta ou não me chamo Alberto Calmon! De agora em diante, vai ser na lei do cão!
        Julinho olhou para os pés descalços e, por alguma razão, pensou no tênis, apenas um calçado para ele, talvez um pequeno sonho para o pivete. Estranho pensamento.
        [...]

Carlos Eduardo Novaes. O Imperador da Ursa Maior.
São Paulo: Ática, 2000. (Fragmento).


Vocabulário:
Repasto – refeição.
Algoz – aquele que trata outro com crueldade, carrasco.

Entendendo o texto:
01 – Julinho e o pai não se entendiam muito bem. Qual fato pode comprovar essa afirmação?
      Os pais não prestavam muita atenção nele, pois custaram a perceber que ele estava descalço, além de haver um clima de provocação entre o menino e o pai.

02 – Segundo o texto, a tensão familiar concentrava-se na relação entre Julinho e seu pai, Alberto. De que maneira Julinho provocava o pai?
      Ficava parado sem dizer uma palavra, como manequim de vitrine.

03 – Por que Alberto e o filho não se davam bem?
      Porque o pai parece ser autoritário e não sabe conversar e perguntar o que o filho tem e sente. No entanto, o pai se preocupa com o preço do objeto roubado.

04 – Apesar do susto, Julinho mantinha-se aparentemente calmo e ironizava a situação. Por que Julinho procurou não revelar suas emoções?
      Porque ele estava acostumado com os assaltos e não dava importância ao valor das coisas.

05 – O narrador descreve a tranquilidade do menino como 'irritante'. Ela era irritante para quem?
      Para o pai, pois tinha um temperamento mais explosivo.

06 – “Julinho tornava-se espectador da sua própria cena". De que cena ele estava sendo espectador?
      Da cena do assalto.

07 - Por que o narrador classifica o pensamento de Julinho como "estranho"?

      Porque parece que o ladrão tinha razão justificável para assaltar.